quinta-feira, março 16, 2006

A casa

Mataram a casa do Méier. A casa que era muitas casas e muitas pessoas e muitas coisas.
Já tem muitos anos que evito passar na frente dela. Já não era a mesma, como um parente muito querido na infância, que com o tempo se afasta.
Ela estava envelhecida, o jardim, mais selvagem, descabelado.O quintal, há muito não o via. A pele estava descascando e caindo. Estava decrépita, mas estava viva.
Parece egoísmo, e é. Eu preferia vê-la caindo aos pedaços, morrendo naturalmente de velhice.
Não gostei de ver o terreno baldio, a visão mal tapada por telhas de amianto.
Mataram as festas juninas, apagaram as fogueiras.
Mataram Cosme e Damião, acabaram os doces.
Mataram o Natal , não tem mais rabanadas.
Mataram as minhas brincadeiras, o porão e o quintal.
Mataram o quintal do Moleque, do Sheik, do Kipe e da Marabá.
Acabou o arroz e o suflê de espinafre.
Apagaram a luz do gongá e tiraram a rede do quarto da frente.
Sumiu a etrela da entrada.
Arrancaram a Guiné, o Jasmim e o Manacá.
Secaram o lago.
Onde está a poltrona verde?
Acabaram os licores de leite, de jabuticaba e de vinho.
Não sinto mais o cheiro do defumador.
Morreram outras lembranças, outras pessoas, que se faziam presentes em minha vida através daquela casa. Onde elas estão? Onde vão morar?

2 Comments:

Blogger Sarcastic said...

Gostei da crônica... Essa coisa de prédios crescendo no nosso mundinho enche o saco. Abraços!!

3/21/2006 4:16 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ricardo
Não mataram A Casa do Méier.
Não se mata o que esta dentro de nós. Ninguém tem esse poder!

4/02/2006 8:10 PM  

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