quarta-feira, julho 14, 2010

CAMPANHA "VOLTA PATRÍCIO"

Olá caros seguidores (todos os... Seis?),

Estou iniciando a campanha "Volta Patrício", visando comover o amigo, D-O-N-O do blog, a nos brindar com mais de seus textos. Por isso,


VOLTA PATRÍCIO!!!!!!!

DEIXEM SEUS POSTS ADERINDO AO MOVIMENTO.

domingo, maio 16, 2010

Hábito Macabro

O dia estava agradável. Resolvi então passear no parque, pois adoro áreas arborizadas e o cheiro da terra úmida para mim é revigorante. Como chovera no dia anterior era certeza senti-lo. Sentei entre as enormes mangueiras, bem de acordo com meu hábito, e passei a olhar o chafariz criar formas aleatórias ao sabor do vento fresco do outono.
Alguns minutos depois, quando as bombas foram desligadas e só restou um grande lago artificial aquietado, pude divisar numa das margens algo boiando. Minha curiosidade conduziu-me até o local aonde o estranho objeto flutuava placidamente e, para meu horror, pude constatar que não se tratava de nenhuma porcaria jogada nas águas por algum desleixado, mas era o corpo de uma pessoa. Uma mulher para ser mais exato. Não consegui conter o grito que atravessou minha garganta. Rapidamente o local encheu de pessoas, e pouco depois de policiais.
Fui interrogado por um inspetor que parecia estar no comando das investigações do local. Não chegou a pegar pesado comigo, talvez porque tenha percebido o quão verdadeiramente abalado eu estava, mas também não foi um doce de pessoa. Insistiu várias e várias vezes para que eu contasse a que horas eu havia chegado ao parque, o porque de sentar-me embaixo daquelas mangueiras, num ponto onde eu avistaria facilmente o corpo e que razões eu tinha para estar ali naquela hora de um dia de semana. Levei um bom tempo contando tudo o que o Sherlock queria saber.
Fui dispensado e avisado que seria chamado a depor na delegacia. Porém, antes de ir embora, ainda pude escutar os peritos dizendo que os mamilos da pobre mulher tinham sido estipardos a dentadas. Confesso que quase desmaiei com a revelação de tal brutalidade. Quem alma torturada faria uma atrocidade desta com outro ser humano.
Chegando em casa tirei imediatamente as roupas e as coloquei na máquina de lavar como se estivessem contaminadas. E de fato estavam, contaminadas pelo medo e o asco que aquela mal fadada experiência de encontrar o corpo de uma mulher assassinada me provocaram. Entrei no chuveiro e tomei um longo e quente banho, conforme meu hábito. Aliás, sou exageradamente metódico, nos dizeres de minha madrasta, ela mesma uma paranóica com rotina e organização, a ponto de me fazer repetir a exaustão à forma correta de dobrar camisas de malha até que eu acertasse.
Saí do banho um pouco mais relaxado e recostei-me na poltrona olhando displicentemente a televisão desligada. Lá pude ver o reflexo da minha cara. As maças do rosto estavam carcomidas, as órbitas saltadas e injetadas de sangue, os cabelos ralos e com cor de rato, as orelhas pontiagudas. Pisquei os olhos para ver se aquela imagem apavorante desapareceria da minha frente, mas não, ela continuou ali, gargalhando da minha fragilidade, da minha inocência. Eu era apenas uma casca que servia de esconderijo para um maldito demônio, um predador. Ele saltou do televisor como uma imagem em 3D e agarrou meu pescoço. Eu sabia o que ele queria, sabia que não podia contrariá-lo, deixei então que se apossasse do meu corpo, da minha vontade, e tornei-me um mero expectador de mim mesmo, uma marionete nas mãos daquela criatura repulsiva que vivia nos recônditos mais ermos do meu inconsciente. Antes de sair para saciar sua sede de sangue e sexo, o maldito foi até o quarto, abriu uma gaveta do armário e admirou uma coleção de mais de cinqüenta mamilos, todos alfinetados num tecido aveludado, dentro de um quadro de cedro envernizado com uma imensa tampa de vidro, tal como uma coleção rara de borboletas de um entomólogo.
E lá se foi a espreitar mais uma vítima, todas mulheres, todas minhas madrastas. Arrancaria seus mamilos com elas ainda vivas e as mataria após violentá-las. Depois me levaria até o local onde a abandonara, para que eu visse sua obra e sentisse todo o horror do mundo.
Tudo conforme seu hábito, um hábito profundamente enraizado.

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Carnaval de bebum não tem dono

Manhã da quarta-feira de cinzas, praia de Ipanema, lá pelas oito. Josué acorda preguiçoso, boceja profundamente algumas vezes e estala todos os membros do corpo. Senta-se e olha ao seu redor, o mar está translúcido, as ondas arrebentam calmamente numa espuma branca e refrescante. As primeiras pessoas estão correndo no calçadão, algumas estão caminhando pela areia, enfim, tudo indica um dia de praia ensolarado para o carioca. Josué, porém, não parece muito animado, na verdade a única coisa que ele pensa é: PQP, o que diabos estou fazendo na praia? Bom, de fato no segundo seguinte a primeira interrogação surge uma interjeição: PQP, eu estou nu!
Rapidamente Josué se enterra na areia até a cintura, precisa entender o que esta acontecendo. Ai meu Deus, vai coçar meu bingulim uma semana! Ipanema? Parece Ipanema. Ai caramba, eu estou na praia de Ipanema! Puxa pelas suas lembranças. Nada. Ou melhor, quase nada. Sua memória só alcança o Bloco do Pinto Louco, lá no Méier. Todo ano, a mais de três décadas, a festiva agremiação desfila pelas ruas do bairro, e Josué puxa a ala das piranhas, que como todos sabem são aqueles homens que desfilam com fantasia de mulher, ou realizando uma fantasia de ser mulher, depende do ponto de vista.
Esforça-se um pouco mais, sua cabeça parece que vai explodir. Mais um flash. Agora sim, sua última e derradeira memória anterior a sua situação de desterro, ou enterro, foi estar no boteco do Miramar, entornando um rabo de galo. Depois... Ipanema, nu, e agora soterrado, preocupado com os hábitos alimentares daquelas baratinhas que circulam serelepes por dentro da terra.
A praia começou a encher. A princípio ninguém se preocupou com Josué, afinal as areias fervilhantes de Ipanema são conhecidas não só pela beleza, que integra natureza e urbanidade, mas pela democracia que impera entre seus freqüentadores, de tudo um pouco, de louco a prostituta, de madame a filhinho-da-mamãe, de surfista ao Josué. Barracas foram armadas ao seu lado, crianças fizeram castelos de areia ao seu redor, bolinhas de frescobol batiam em sua testa. O calor era tremendo, Josué sentia o rosto e o tronco arder como se estivessem assando na cozinha do inferno, no baixo ventre a imagem que vinha a sua cabeça era de um galeto, daqueles bem passadinhos.
Lá pelas tantas, quando a desidratação já ameaçava sua consciência, senta-se ao lado do nosso torrado personagem um senhor, boa aparência, físico enxuto para os fartos cabelos grisalhos que ostentava, trajando uma sunga lilás estampada com corações pretos. Josué, sem graça, tenta disfarçar, mas convenhamos, não a muito como disfarçar uma situação como a dele. Adota então uma postura mais agressiva, na esperança de espantar a companhia indesejável. Que foi? Nunca viu um homem enterrado não? Muito comum, muito comum! O senhor nem piscou, impávido, mirou um olhar perdido no mar, suspirou longamente, como que aspirando os bons eflúvios do oceano, virou-se para o Josué e disse, num tom cândido, acalentador: Josué, pensei muito em nós desde o Bloco. Você lá, de pareô vermelho, batom escarlate, peito cabeludo, tomando aquele rabo de galo como eu nunca antes vira um homem tomar, e depois, chegando por trás de mim, me cinturando e cantanto “olha a cabeleira do Zezé”, nossa, aquilo foi um mimo. Depois no carro, as juras de amor eterno. Sabe, eu só queria diversão, mas você, ah você, parecia estar tão certo de que nós... Nós poderíamos engrenar, sei lá, um caso para além do reinado de momo. Mas aí, depois de nossa noite louca, bem aqui nas areias de Ipanema, quando você adormeceu, me bateu um medo enorme, e fui embora. Mas depois, ao acordar, lembrando do seu cheiro, não tive dúvidas, voltei correndo para cá, na esperança de te encontrar, e veja só, quis o destino que você estivesse aqui, guardando o nosso futuro. Josué, Josué, que me dizes de tudo isso? Josué? Josué?
Manhã de quinta-feira, cemitério São João Batista, Botafogo. Olhares incrédulos para o caixão que guardava o corpo de um dos mais importantes foliões do Méier, membro fundador do Bloco do Pinto Louco, Josué. Amigos antigos do diretor da ala das piranhas confabulavam num canto do velório, assustados, nervosos. Porra Pedrinho, tu me disse que era uma brincadeira com o Josué, levar ele pra praia, deixar ele nu, que ele tinha tomado um porre homérico e tal. Depois mandar lá o meu irmão, que ele não conhecia, falar umas sacanagens, só assustar. Mas aí ô! Olha no que deu, cacete!
Pedrinho, o mentor da brincadeira que acabou mal, e que estava tomando a carraspana do Alcebíades retrucou: Cacete Alcebíades, teu irmão tinha que ir com aquela sunga lilás, e pra piorar, em frente a Farme de Amoedo?!? Foi demais pro Josué!

quinta-feira, outubro 15, 2009

Fé escatológica

_ Querida? Querida? Acorda.
_ Heim, como, que foi, quem morreu?
_ Ninguém morreu, sabe o que é? Acordei assim, no meio da noite, com um peso no coração, um sei-lá-o-que me atormentando o peito...
_ Sandoval, você acendeu as velas de anjo de guarda? Acendeu as velas na casinha de exu? Olha lá homem, não pode vacilar com o além, vai que você tá com encosto? Quer que eu ligue para aquele programa do pastor? É agora de madrugada. O pastor Cleverson, lá do templo que eu estou indo, disse que o homem é poderoso, exorciza pela televisão, coisa de doido.
_ Ai mulher, já vem você com estas superstições, encosto o que! E da três batidinhas na mesinha de cabeceira.
_ Sandoval, só porque você é católico apostólico italiano...
_ Romano.
_ Não fica na Itália? Então. Só porque você é católico apostólico romano, acha que minha fé é coisa de ignorante. Bem que a cartomante que eu fui com a Matilde tinha me alertado sobre esse seu jeito besta de tratar o Deus dos outros.
_ Deus dos outros? Para de bobagem. Deus é um só, o seu e o meu. Jesus, que Alá nos proteja dessas suas idéias.
_ Já sei Sandoval, tenta aquela técnica de relaxamento que nos aprendemos no workshop do mestre sufi Satiranabanda. Tá lembrado, fomos mês passado.
_ É, não custa nada né.
Sandoval, após um esforço brutal para acomodar sua barriga entre o tórax e as coxas, sentou-se na posição de flor de lótus - na verdade, de tão esparramado, lembrava mais um ramalhete de batata, sendo o Sandoval a própria. Após alguns minutos de meditação profunda, irrompeu o silêncio da madrugada um som estrondoso vindo do íntimo de Sandoval. Estupefata e com cara de nojo a mulher indagou:
_ Que isso Sandoval?
_ Exorcizei a feijoada.
Nem precisou do descarrego.

CEVDM

segunda-feira, outubro 12, 2009

O mascate mulherengo

Ubirajara era um cara dos mais queridos por todos. Vizinhos, ex-colegas de escola, parceiros do futebol, familiares, todos eram unânimes em afirmar: Ubirajara era um cara e tanto, correto, fiel, grande pai de família, excelente marido, um sujeito ímpar. Iria fazer falta. Não era à toa, portanto, que seu enterro estava sendo um dos mais concorridos no cemitério da pequena Poncho Velho, uma linda cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul de pouco mais de 2000 habitantes.
Bira, como era conhecido, trabalhara a vida inteira como mascate, percorrendo as porteiras mais distantes em busca de novas vendas para levar o sagrado leitinho das crianças para casa. Vendia lençóis, colchas, roupas femininas, artigos de cama, mesa e banho em geral, mercadoria fina e de qualidade, conforme apresentava aos clientes.
Um belo dia, na noite de um de seus retornos para casa, após uma temporada de quase um mês viajando, Bira sentiu-se mal e caiu. Nunca mais se levantou, foi uma temeridade. Da viúva ao padre, não havia alma na cidade que não estivesse inconsolável com a abrupta partida do mascate mais amado de Poncho Velho.
No velório, a viúva chorava baixinho num canto. As crianças, ainda pequenas, ficaram na casa de uma tia, pois a mãe não desejava que a última imagem que os pequenos guardassem do pai fosse dele deitado no caixão. Devia ter umas duzentas pessoas ao todo se despedindo do Bira.
Lá pelas tantas, aproximou-se do caixão uma moça muito vistosa, adequadamente trajada num vestido preto bastante elegante, debruça-se no caixão e beija a face do mascate. O fato passou despercebido a viúva, mas não ao padre Peixoto. O clérigo foi ter com a moça e entre-dentes lhe perguntou quem era. Para surpresa do velho pároco ela lhe respondeu:_ Eu e Bira morávamos juntos, padre. Lendo o jornal lá de Serra dos Vinhais, no dia de ontem, passei os olhos no obituário e vi o nome de meu Bira estampado em letras garrafais. Quase morri. Vim me despedir padre. Sei que aos olhos de Deus e da Santa Igreja, nós não éramos casados, logo não posso me considerar viúva, mas posso lhe garantir que nos amávamos muito.
Padre Peixoto engoliu em seco. Não sabia o que fazer. Se abrisse a boca a reputação ilibada de Bira chafurdaria na lama. Após muito refletir, decidiu tomar aquela resposta como uma confissão e, como estabelece os ditames da Igreja, guardar para si o que ouviu. Porém, meia-hora depois de ter tomado a decisão, vê entrar no velório uma senhora robusta, enfiada num vestido de chita remendado até não poder mais, com três crianças arrastadas pelos braços, pequenas, mirradas mesmo, com olhinhos assustados de quem vê a morte pela primeira vez._ Olha aí crianças, o pai de vocês. Homem bão, fez de um tudo pra nos tirar da miséria. Que Deus o tenha e de nós guarde misericóridia. Disse isso e chorou em profusão.
Essa não teve como passar batido pelo crivo da viúva, digo, a oficial. Levantou-se, sobremaneira irritada, e foi ter com a matrona choradora na beira do leito de morte do mascote pegador.
_ Quem, por Deus e Nossa Senhora dos Desajuizados, é a senhora?
_ Bah, sou a viúva do Ubirajara, e estes são nossos rebentos.
A confusão que se seguiu foi digna dos filmes pastelões dos Três Patetas. Não sobrou um único cravo inteiro no caixão do Bira, a matrona e a oficial se engalfiaram tal qual duas leoas disputando a carniça de uma zebra. O quebra-pau extrapolou o velório e foi continuar na rua, um cortejo de curiosos esqueceu o defunto e foi seguindo a arruaça que as duas mulheres iam fazendo. Quando ao redor do caixão só sobrou a reputação partida do mascate, a elegante mulher de preto, até então refugiada no banheiro, voltou a aproximar-se do caixão. Fitando os olhos vitrificados do Bira, sussurrou baixinho para que só a alma do mulherengo pudesse ouvi-la do outro mundo.
_ Sempre soube que tu não prestava. Mas adorava os vestidos que me trazia.

CEVDM

Homo Aeticos Amoralis

Confesso que não sou a pessoa mais certa do mundo, para dizer a verdade, não sou a pessoa mais certa nem do meu bairro, alias, nem da minha casa. Ainda assim, fazendo o mea culpa, devo dizer que estou cansado desse povinho do meu Brasil varonil. Aqui, em plagas tropicais, perdemos todos os limites da ética, da moral, do respeito ao direito alheio, não sabemos mais usar o por favor nem o muito obrigado, pedir desculpas parece ser um comportamento alienígena, atravessar na faixa de pedestre virou coisa de maníaco com TOC, estacionar com as quatro rodas na calçada uma regra invisível do código nacional de trânsito, estudar para prova algo incompreensível para os jovens alunos, enfim, vivemos num mundo de pernas para o ar, pelo menos da minha perspectiva. Mas talvez o problema seja isso mesmo, ponto de vista. Quem sabe eu viva numa ilusão e quem esteja de ponta cabeça seja eu e não o mundo. Já pensei seriamente nessa hipótese. Numa situação em que todos agem como se não existissem três milênios de filosofia diferenciando o certo do errado, existe uma boa possibilidade de eu estar interpretando de forma torta o mundo a minha volta, e pior de tudo, me achando o último dos moicanos, o bastião superficial de uma moralidade enterrada no pântano do farinha pouca meu pirão primeiro.
Digo isso porque hoje bateram no meu carro, dentro do estacionamento de um supermercado. No desenrolar do bafafa, as seguintes propostas me foram feitas pelo motorista e dois sujeitos que aparecerem depois: acionar o meu seguro – e que se exploda minha classe de bônus; dar uma parte do dinheiro de um prejuízo que não foi calculado e sair antes da chegada da polícia – sendo que eu seria acusado de realizar uma notificação falsa de acidente; não chamar a polícia porque o condutor do veículo que colidiu estava com os documentos vencidos. Quando eu, que estava até disposto a negociar, bati o pé firme em relação a feitura do BRAT, virei instantaneamente alvo de ameaças veladas do tipo: se for a justiça você vai demorar a receber; vamos ligar para um amigo que é major da PM; e por aí foi. Essa situação foi para mim uma espécie de epifania, passei a ver para além das sombras da caverna, aquela do Platão. O errado sou eu, é lógico. A verdade, de tão óbvia, me escapou durante muito tempo. Eu estou em descompasso com a história, sou um anacronismo bípede, caminhando em pé numa sociedade que rasteja. Sou uma criatura antinatural, condenado pela teoria da evolução das espécies desde o século XIX. Não me adaptei ao meio e por isso estou condenado à extinção. Um fim até certo ponto digno. Em alguns anos estarei em exposição n’algum museu de história natural, atrás de uma parede de vidro, sendo observado por crianças de escola que escutarão entediadas os comentários do guia: _ Este crianças, é o homo sapiens sapiens, nosso ancestral direto, evoluíram dentro do que eles chamavam civilização, organizados em torno de princípios éticos e morais. Foram extintos quando nossa espécie, o homo aeticos amoralis, se tornou dominante. Coitados, não suportaram nossa superioridade.
Enfim, tudo se resume a Galápagos e ao bom e velho Darwin, a ética e a moral não passam de acidentes provocados pela erudição de alguns escravocratas ociosos, servindo apenas para atrasar a escalada na hierarquia da natureza de uma nova espécie, mais forte e mais esperta, que não se prende a regras tolas e abstratas de convivência. Viva a conveniência.
O museu, de fato, é o meu destino, assim espero, iria detestar acabar com a minha cabeça exposta na sala de troféus de algum caçador.

CEVDM

Brasil, Matemática e a Venezuela

Brasil, matemática e a Venezuela

Somos 183.987.291 milhões de pessoas espalhados por 8.547.403 milhões de quilômetros quadrados. Com o auxílio de um lápis e de um papel faça a conta. Ficou difícil para você como ficou para mim? Então usa a calculadora. O resultado é aproximadamente 21. Pois é, se fossemos dividir o Brasil igualmente por todos, daria uma fatia de cerca de 21 quilômetros quadrados para cada cidadão. A matemática não mente, ela pode confundir, mas mentir jamais. Depois dessa simples conta, quer dizer, dessa conta, eu consigo entender ainda menos o problema da terra no Brasil, o porquê dos apartamentos de três quartos de hoje serem idênticos às quitinetes de outrora e os engarrafamentos megalômanos as grandes metrópoles, tudo fica mais opaco. Espaço parece não faltar. O povo culpa o governo, o mercado imobiliário, o desrespeito ao rodízio no trânsito. Para mim, levando em conta um pouco das boas e úteis teorias conspiratórias, a concentração de terras, os micro-apartamentos e os engarrafamentos, tudo isso não passa de um grande lobby da Venezuela para que um dia venhamos a ter que alugar um pedaço das suas terras, transferindo assim uma parte da nossa riqueza para lá. Seria tudo, portanto, parte de uma estratégia comunista do Hugo Chávez para distribuição de renda no continente. Em todo caso, apesar dos contras, eu prefiro a Argentina, dizem que Buenos Aires é uma cidade linda.
CEVDM

quarta-feira, setembro 16, 2009

Máximas pelo mínimo

Há máximas que são dogmas, ou se não são, deveriam sê-los. Uma delas diz que futebol, política e religião não se discutem, porque se discutir vai sair briga. Posso asseverar que é a mais pura verdade.
Recordo-me de dois conhecidos meus que eram amigos de infância - haviam comido terra da mesma caixa de areia da pracinha do Leblon, enquanto as mães falavam mal dos respectivos pais – que, após terem tomado uns vinhos a mais na recepção de lançamento de um livro intitulado Intolerância: descaminhos da violência, praticamente engalfinharam-se por terem desafiado a tal máxima.
Tudo começou com um inocente “sabia que eu agora sou budista?”. Nossa, nunca imaginei que Buda, no alto de sua milenar e obesa sapiência, fosse o epicentro de uma discussão tão acalorada! _”Budista? Como assim? Tipo hare krishna?”. Bastou, como dizem por aí a chapa esquentou.
_ Não seu ignorante, budistas não são hare krisnas! Budistas são os que seguem os ensinamentos de Buda. Sabe, aquele da imagem na casa da sua mãe que fica com a bunda virada para a porta!
_ Ignorante? Ignorante é você que acredita num japonês gordo morto há 2000 anos!
_Japônes? Indiano! E quem morreu há 2000 anos foi C-R-I-S-T-O!
A coisa estava ficando feia, as pessoas começavam a se afastar com medo de serem atingidas pelos perdigotos que eram arremessados a toda velocidade. Ambos vociferavam de maneira cada vez menos elegante. Pareciam dois estranhos.
_ Cara, depois que você virou comunista e adotou este estilo torto de vida, quer me repreender pela minha opção religiosa? Pior é você, que agora vive em reuniões revolucionárias, com meia dúzia de fanáticos que se masturbam olhando o pôster da Rosa Luxemburgo!
_ Epa, olha lá como fala! Não somos fanáticos, apenas temos a convicção de que a revolução do proletário é inexorável, tal como a derrocada do capitalismo, dos EUA e do Vasco da Gama! E mais, não temos pôster da Rosa Luxemburgo, o pôster é do Proudhon, quer dizer, o pôster é dele, mas nós não nos masturbamos na frente dele, quer dizer, nós não nos masturbamos. Bem, às vezes sim, mas não na frente do Proudhon!
O circo estava pegando fogo e nem sinal dos bombeiros, na verdade o povo gosta mesmo e de ver uma picuinha virar bang-bang italiano.
_ Eu ouvi você falar do meu Vasco da Gama? Com que direito? Você é torcedor do América! Cara, desde quando vocês não ganham nem campeonato de futebol de botão de várzea?
_ Pois saiba que agora nós temos o Romário, o homem dos mil gols, esse ano a gente volta pra quarta divisão! É bom começar a tremer seu idólatra, adorador do coreano gordo, logo, logo a gente vai se enfrentar na segundona!
Quando os dois ex-amigos estavam na eminência de se bicarem até a morte naquela rinha de galo de doido, me passa o garçom oferecendo vinho. Os ânimos arrefeceram, um presságio de paz surgiu no ar.
_ É suave?
_ Sim senhor.
_ Bichona, vinho suave é pra mulherzinha, tem que tomar vinho seco.
Durou pouco o armistício.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Ditos e desditos da rua

Da série, Crônicas Quase Verdadeiras, Meio Mentirosas:


Existem coisas que escutamos na rua que são assustadoras... De tão engraçadas. Às vezes nem tanto a coisa dita, mas o contexto que a cerca, por si só, é cômico. Uma dessas coisas dita nas ruas, e que escutamos por obra do acaso, me despertou na lembrança outras tantas frases e situações escutadas e vivenciadas.
Porém, antes de prosseguir na minha narrativa, devo alertar aos leitores que este texto terá um linguajar inapropriado para menores e pessoas cardíacas. Não é que eu deseje a vulgaridade, mas se trata aqui de fidelidade a fonte, e não de libertinagem poética.
Foi assim que a idéia desta crônica nasceu: caminhava tranqüilamente de volta para minha casa após lecionar na parte da manhã, quando ao passar por uma mulher de mãos dadas com seu filho (uma criança de dois, talvez três anos), esta me verbaliza a seguinte epifania (um achado literário): caracoles! Para não dizer CARALHO! A caixa alta não é à toa, expressa o quão enfática foi a mulher ao nomear o membro viril masculino, após deixar claro que não faria referência explícita ao mesmo. Continuei minha caminhada, rindo evidentemente.
Imediatamente me lembrei de outras situações igualmente cômicas. Uma vez no ônibus, sentado atrás do motorista, ouvi a seguinte conversa entre este e o trocador (uma observação: eram uma e tal da madrugada, e eu era o único passageiro):
_ Pô parceiro, falei lá na garagem que o freio do carro tava baixo, vagabundo ficou de onda, achando que eu não entendo porra nenhuma do meu serviço, me chamando de cagão. Virei e mandei na moral: “é mermo? Então vocês vão vê, vou pilotá esse carro na madruga com freio baixo a mil, segurando só na passagem de marcha! Aí vocês vão ver quem é o cagão, vão ver quem é o piloto”.
_ Isso aí parceiro, arrepia o carro que eu seguro.
Nisso o motorista lembra da minha existência.
_ Né não parceiro?
Saltei no ponto seguinte, a vinte minutos da minha parada. Foi uma caminhada revigorante.
De outra feita, andando no centro da minha cidade, por volta dumas 22:30 ou 23:00 (a precisão falha em virtude da minha condição alcoólica), escuto um velhinho (veja bem, octogenário para cima) falando para um traveco enorme:
_ Né pra comer não “filha”, só quero dar uma chupadinha no seu pintinho. Quanto é?
Achei tão meigo da parte do ancião falar “pintinho”, que pensei até em não rir, mas não tive êxito.
Prosseguindo.
Fila do banco, sistema caído (só para variar), uma senhora magricela na minha frente externa seu descontentamento: _ “Espero uma eternidade o tal do sistema “levantar” para receber uma micharia que nem me faz rir. Parece meu marido na cama”. Juro que não fui o primeiro a gargalhar.
As memórias vêem numa enxurrada.
Maracanã, Flamengo e Vasco, semi-final da Taça Guanabara. Pai e filho ao meu lado. O menino brada a plenos pulmões:
_ Seu viado! Dirigido ao zagueiro do Flamengo que furou um corte e quase deu um gol para o Vasco.
_ Que isso menino, não pode falar palavrão seu...
Nisso o zagueiro do Vasco faz uma falta óbvia no atacante do Flamengo e o juiz não apita. O pai, amante dos bons costumes, emenda a frase quase sem perder o fôlego.
_ Filho-da-puta!
_ Pai!?!
_ Você não menino, o juiz!
Ri demais.
Para todos que pensam que estou falando demais de um tema tão besta, uma última, a derradeira.
Na padaria, um menino (sete ou oito anos) entra para comprar cigarro para algum adulto preguiçoso.
_ Moço, me dá cigarro.
_ Qual?
_ Destes que fazem fumaça e matam de câncer.
Mais esclarecido que o adulto bolha que o mandou à padaria.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Sexo para lá da terceira idade

O casal de idosos resolve comemorar os cinqüenta anos de casados no motel. O velhinho foi quem deu a idéia, mas a velhinha assinou embaixo e se mostrou a mais empolgada.
_ Ô meu velho, você acha que eu devo comprar uma dessas lingeries sensuais?
_ Compra sim minha nêga, dessas com a calcinha bem pequenina.
Passaram praticamente uma semana nos preparativos. O vovozinho conseguiu com o seu médico uma prescrição para uma caixa de viagra e duas de hipertensivo, já a vovozinha conseguiu amostras grátis de lubrificante íntimo para não travar na hora H com sua ginecologista. Enfim, estavam animadíssimos com a saidinha que iriam dar.
No dia em questão surgiu um problema, o vovozinho estava com a carteira vencida e não poderia ir dirigindo.
_ Poxa paizinho, ir de táxi para o motel é tão pouco romântico. E veja só, um estranho nos levando ao motel, dois idosos, o que a de pensar? Disse a velhinha com ares de moralista, apesar da imensa vontade de ir curtir com o maridão septuagenário a banheira de hidromassagem.
_ Ô minha gatosa, eu sei, mas é que fui reprovado no exame de vista. Pudera, me botam umas letrinhas do tamanho de formigas, como se as placas de trânsito fossem feitas em Lilliput. Argumentou o velhinho, já no clima dos embalos de sábado à noite. Já sei, vou pedir pro Quincas levar a gente!
_ Pedir o nosso filho para nos levar ao motel?
_ É ele ou o táxi. E de mais a mais, você finge que ele é nosso motorista particular. Disse isso e encerrou a conversa já ligando para seu filho.
_ Alô, Quincas?
_ Sim.
_ Teu pai. Faz um favor para mim e para tua mãe? Nos leve até o motel, sua mãe cismou que não quer ir de táxi.
_ (...)
_ Quincas? Alô, Quincas? ALÔ!
_ Alô, quem é? Responde meio atordoada uma voz feminina.
_ Marluce? Teu sogro, cadê o Quincas?
_ Oi seu Atanael, o Quincas deu um acesso repentino de choro e foi correndo pro banheiro! Esta tudo bem com a dona Emengarda? Disse sinceramente preocupada a nora do seu Atanael.
_ Esta minha filha. Esse meu filho! Foi só eu pedir um favor que ele foge da raia.
_ O que o senhor pediu seu Atanael?
_ Pedi para ele levar a mim e a mãe ao motel, pois a Emengarda não quer ir de táxi! Responde já impaciente o vovozinho, sentindo o começo do efeito do viagra.
A nora achou aquilo tão bonito, um casal há tantos anos juntos, já com o peso da idade aparente, não deixar o fogo do desejo se apagar, que resolveu levá-los ao motel. Dona Emengarda sentiu-se até menos constrangida, pois se dava muito bem com a nora, e sendo uma outra mulher, compreendia certas reservas femininas.
O dia foi especial para ambos os velhinhos, único, curtiram-se como sempre fizeram por anos a fio. Já no fim, ambos deitados na cama redonda, cigarrinho aceso, dona Emengarda comenta com o marido.
_ Quer dizer que o Quincas desandou a chorar quando você disse que a gente vinha para o motel paizinho?
_ Que coisa não é Emengarda, burro velho e chorão esse nosso filho!
_ Que isso Atanael, saiba que a culpa é sua. Na época que você tinha que conversar a história das abelhinhas com o menino, você tirou o corpo fora, disse que a vida ensinava, que seu pai nunca conversou intimidades com você, e que o menino ia aprender com a vida. Estou mentindo?
_ É...
_ Viu paizinho? Deu no que deu. Traumatizou o pobrezinho.