sábado, novembro 22, 2008

Impressões

Fui comprar a insulina da minha sogra ontem, quarta-feira (12.11). O lugar mais barato é uma farmácia aqui em São Francisco. Para referência geográfica mais precisa eu estou, parafraseando o Patrício, naquela cidade lááááááááá depois da ponte, no fim do arco-íris – sem pote de ouro, diga-se de passagem. Fui à noite, depois que peguei minhas filhas na escola, lá pela 19:00 h. Entrei e saí da farmácia mais veloz que uma bala, mais rápido que uma locomotiva, já com prévia intenção – surgida no momento que estacionei meu quatro rodas no calçadão – de dar uma caminhada pelas areias da praia, que a noite não parece tão poluída.
Alguns poucos momentos de solidão na vida de um pai coruja de três filhos, esposo amantíssimo de uma bela mulher (por incrível que possa parecer), filho dileto de uma mãe porra louca, genro dedicado de uma sogra (sem adjetivos, vai que minha esposa lê essa merda), irmão de saco-cheio de uma irmã sem rumo, cunhado e co-cunhado tolerante de uma monte de gente que até me esqueço os nomes, professor/serial-killer esforçado de um monte de .... alunos, enfim, é assim que a lei os chama. Enfim, alguns poucos momentos... de paz.
Para mim a praia tem um efeito terapêutico, que me acalma, me induz a reflexão, solta inclusive meu intestino.
Iniciei minha caminhada. O trecho que percorri é bastante curto. A praia tinha meia dúzia de quase ninguém, crianças jogando bola, pessoas como eu caminhando, alias eu não caminhava, eu flanava, alguns corredores, dois maconheiros – lembrei do cachimbo no carro, mas fumar com vento é foda – e uns pássaros que acho que eram gaivotas (acho, já que não sou ornitólogo não tenho a obrigação de saber, podiam muito bem ser urubus com vitiligo).
Comecei a entabular uma animada conversa com meus amiguinhos alados – não, eu não parei para conversar com os maconheiros, antes que se indaguem a este respeito –, fato que detonou um conjunto meio desconexo de pensamentos que hoje tento sistematizar para vocês. Claro, não tem o mesmo efeito depois que se racionaliza a respeito, mas meio que me senti na obrigação de tentar.
Vou abrir aspas, só para dar um toque literário, tipo flash back. E farei comentários, tipo narração, entre parênteses.
“_ Olá amiguinhos, como vão? Nossa! Se não queriam conversar bastava dizer, não precisavam virar as asas e partir assim (eram três urubus com vitiligo, sobrou apenas um, impávido, mirando a churrascaria Porcão do outro lado da rua, imaginando talvez por qual má sorte ele estava ali tendo que comer resto de peixe podre, enquanto algum grã-fino saboreava uma deliciosa picanha! Bom, era eu que pensava isso – apesar de não estar saboreando entranhas de tainha - mas acho que a pobre ave desnutrida também).
_ Então meu gracioso amiguinho, você que demonstrou mais coragem que seus confrades, e continua aqui a meu lado, o que tem a me contar de novo? Ei!
_ Poxa, se hoje o horóscopo estivesse dizendo que a grande oportunidade da minha vida dependeria da minha conversa, eu estava fudido! (E lá se foi o urubu em pele de gaivota)
O mundo hoje é um grande quadro impressionista (aqui começa a parte poética da porra deste texto, bom pelo menos eu acho, a maioria de vocês caros leitores, vai continuar achando que eu dei um tapa na maconha supracitada).
O mundo hoje é um grande quadro impressionista. Um objeto, uma situação, uma emoção, são apenas lampejos do que realmente representam, tudo não passa de um imenso borrão de luzes e sombras que inferem aquilo que representam.
Carros, ônibus, motos... Luzes fulgazes, riscos no asfalto... Quem esta dentro, o que sentem, o que pensam, quem os pariu? Jovens jogam bola, um deles corre até a água, o short caindo cintura abaixo, atira-se no mar, cabelos revoltos, parece ter uma mecha, seu corpo atarracado, braços longos, parece um ogro. Duas mulheres (mãe e filha, irmãs, amigas ou amantes, só impressões) já deram duas voltas nas areias de São Francisco.
Acho que um homem passou por mim arrastando uma bicicleta, somente minha visão periférica detecta um único corpo de carne e guidão. Impressões.
Dois maconheiros (não sei se professores, engenheiros ou vagabundos, só sei que são o que fazem) sentados, um enrola a erva na seda. Na volta não os vejo mais. Fumaram tão rápido? Passei mais tempo do que imaginei no meu animado bate-papo com meus amigos pássaros? Os maconheiros não existiam? Foram somente a impressão de maconheiros?
Resolvo sentar-me e apreciar a vista. Ao fundo um risco sombreado lembra uma montanha, acho que é uma montanha, no topo do matizado mais escuro com o menos escuro, a fronteira do céu com a impressão da terra, um dragão, um cágado, arrasta-se pesadamente, esfumaçado, esticando seu pescoço, descendo o monte, anunciando chuva. Impressões.
Sinto que é hora de partir, intuo, tenho a impressão... Toca o celular, minha mulher... _ Vem me pegar, acabou a reunião. Tenho a alma leve, no carro escuto MEC FM, concerto para flauta e arpa, lindo!”
Volto para casa, a cada metro vencido, a harmonia impressionista se desfaz, volto ao meu mundo, um mundo de um realismo irritante.

CEVDM

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