domingo, agosto 02, 2009

O pai cupido

Felisberto era um rapaz bem apessoado, como dizem os mais velhos. Vindo de boa família, com estudo, recursos próprios (incluindo um belo Chevette 82 em excelente estado) e, é claro, bonitão. Bastante comunicativo, mas com senso de conveniência, não era um falastrão qualquer; respeitador das tradições, sem ser um chato, enfim, um gentleman.

Seu Ariovaldo conhecera-o na firma de dedetização Dona Baratinha onde trabalhava como técnico em misturas químicas de alta periculosidade a mais de vinte e cinco anos (já era considerado móveis e utensílios da empresa, quase da família como dizia o patrão), profissão que lhe garantiu o sustento da família (esposa e filha) e umas manchinhas na pele sem importância (segundo o assistente de enfermagem que cuidava dos funcionários). Felisberto fora contratado com boy e nunca faltara um único dia no serviço, era considerado um empregado com futuro na firma. O gerente o tinha como homem de confiança, a ponto de lhe entregar a missão de pegar o dinheiro do pagamento, de todos da empresa, no banco. Tarefa cumprida com esmero mês a mês, todo dia dez, desde que tinha sido incumbido dela.

Tal postura, atrelada as outras qualidades percebidas por seu Ariovaldo, deram-lhe a idéia de apresentar o rapaz a sua filha, Jucilene Cristina. Moça recatada, religiosa, estudiosa (passara no vestibular para serviço social de uma destacada universidade privada, onde conseguira bolsa de dez por cento na mensalidade – a primeira da família a cursar uma faculdade, um verdadeiro orgulho) e popular entre seus amigos. A sim, e isso tudo aliado ao fato de ser uma linda mocinha.

Pensava seu Ariovaldo:_ Ora veja, não é má idéia não, pelo contrário, é uma boa idéia apresentar o Felisberto a Juzinha. Os dois formam um par e tanto. Divagava o bom homem, perdido entre seus sonhos paternos. A primeira pessoa a quem contou seus planos fora sua companheira de jornada, sua amada esposa dona Paraguaçu. Mulher de fibra, dedicada ao lar, aos filhos e ao marido. Conhecera seu esposo quando ainda era normalista. Encantara-se por aquele rapazote que á época já trabalhava na firma de dedetização e demonstrava vontade de constituir família e crescer profissionalmente. Um homem “pra casar”, como diziam suas amigas de escola.

A princípio dona Paraguaçu ouviu as idéias do marido com certa reserva, algo próprio ao seu papel de mãe preocupada com o futuro da filha única.

_ Ari, você não acha que a Juzinha, agora que entrou na faculdade, deve primeiro se dedicar aos estudos e depois pensar em namoro sério?

_ Que isso mãezinha, ela bem pode juntar as duas coisas. Estudar e namorar um rapaz decente. Você bem sabe que nesses ambientes que ela vai começar a freqüentar existe uma pá de malandro querendo abusar de mocinhas assim como ela.

_ Eu sei Ari, mas é que...

_ Ô mãezinha, dá uma chance aqui pro velho Ari fazer o que é certo?

Dona Paraguaçu cedera aos apelos de seu Ariovaldo. Mas fincou pé que a filha deveria ser comunicada antes das intenções do pai. Combinaram que falariam com ela na hora do jantar.

Todos reunidos à mesa, 19:30 em ponto como sempre faziam, seu Ariovaldo inicia sua catequese.

_ Sabe mãezinha, lá na firma contrataram um rapaz de grandes qualidades. O patrão acha que em menos de dez anos ele chega a supervisor.

_ Verdade Ari? Dona Paraguaçu dava as deixas, encenando o teatrinho do esposo.

_ Verdade. E sabe do que mais, vou dizer outra, e bens sabes que não falo isso sempre, além de outras qualidades que percebi nele o rapaz também é muito bem acabado, digo, bonito.

Jucilene Cristina ouvia a conversa de soslaio, entre uma garfada e outra no delicioso macarrão com molho a bolonhesa que a mãe fizera. Nunca ouvira o pai falar de ninguém assim lá da empresa.

_ Sabe Jucilene, disse em tom solene seu Ariovaldo, eu pensei que talvez você quisesse conhecer esse rapaz?

Jucilene deixou o garfo cair e engasgou com o pimentão da carne moída. Depois de alguns minutos, recuperado o fôlego olhou para o pai de forma interrogativa, como que querendo entender a sua atitude, e largou a bomba sem piedade:

_ Pai, eu estou namorando!

Dona Paraguaçu achou melhor fingir surpresa, apesar de estar desconfiando do comportamento lânguido da filha já há alguns meses. De sua parte, seu Ariovaldo não estava apenas surpreso, estava chocado.

_ Como assim filha? Namorando? Sem nossa permissão? Quem é o rapaz? Onde você o conheceu? As perguntas atropelavam as tentativas de resposta.

_ Pai, eu tô namorando há uns meses. Esse negócio do namorado vir pedir permissão aos pais e coisa de mil oitocentos e guaraná com rolha! Não se usa mais!

Seu Ariovaldo não podia acreditar no que estava ouvindo, seus olhos ficaram marejados. Dona Paraguaçu tentava contemporizar, mas nada parecia tirar seu marido de um estado de semi-letargia que caíra após o baque que recebera. E a filha continuava o massacre.

_ O nome dele é Rosivaldo. Conheci ele lá no pré-vestibular comunitário. Ele é um gato, toca numa banda de rock e tem os cabelos compridos mais lindos do mundo.

Cabeludo, músico, seu Ariovaldo não sabia que podia piorar tanto assim. Pediu licença, levantou-se da mesa e foi para o quarto, sem dizer um único ai, digerir o sapo que engolira. Dona Paraguaçu o seguiu, com medo que o esposo tivesse um AVC. Jucilene ficou na mesa, aliviada por ter contado a verdade.

No dia seguinte, cabisbaixo e meditabundo, seu Ariovaldo foi trabalhar, como fizera nos últimos vinte e cinco anos. Se mundo caíra. Sua filha namorava um vagabundo qualquer. Chegando na firma encontrou um verdadeiro circo armado, os funcionários estavam na rua, policiais circulavam agitados de um lado para o outro, perguntas sendo feitas a torto e a direita.

_ Vixe, Nossa Senhora Desatadora de Nós, o que é que esta acontecendo aqui? Perguntou seu Ariovaldo a um colega de trabalho.

_ Ari, nem te conto. Sabe o Felisberto? O boy? Pois é, foi ao banco a mando do gerente pegar o nosso pagamento e não voltou. Meteu a mão no nosso dinheiro Ari! Moleque safado! Fazia cara de santo, mas era do pau oco!

Pronto, o mundo deixara de fazer sentido de vez para seu Ariovaldo. Como ele pode ter se enganado tanto, perguntava-se incessantemente. Ele estivera a um passo de apresentar um marginal para a filha, sua única filha, seu docinho de coco. Seu coração pesava.

À noite, seu Ariovaldo jantando com a família, virou-se para a filha, olhos firmes e determinados, segurou forte nas mãos de dona Paraguaçu, como que buscando apoio e cumplicidade, e perguntou:

_ Então filha, esse seu namorado toca rock pauleira ou progressivo?

CEVDM

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