A morte do senhor Gentil
Para compensar o poeminha ligeiramente deprê e gay.
Senti uma espécie de torpor, e de repente, bum, lá estava eu, em pé, na fila do paraíso. Confesso que tomei três sustos: o primeiro por perceber que tinha morrido, o segundo por saber que existe, realmente, vida após a morte e por fim por estar na fila do paraíso (depois de tudo que aprontei). Ainda tive a ousadia de supor que eu bem podia ter parado no paraíso islâmico (a história das virgens, vocês sabem), mas preferi nem alimentar tal pensamento, afinal eu não sabia a dinâmica aqui do outro lado, imaginem se lêem a minha mente e eu sou considerado herege (afinal, vai que estou no paraíso cristão)? Me mandam para o inferno grego, o hades, o qual, conforme levantei, é barra pesadíssima. Fiquei na minha e deixei essa confusão de paraísos para lá.
Resolvi puxar assunto, afinal fila onde todo mundo fica quieto não é fila. Comecei com o básico:_ Puxa, demora tanto pra fila andar né?
Dirigi-me ao senhor que estava a minha frente. Estava um pouco maltrapilho, não cheirava muito bem, mas tinha um olhar simpático._ E que lá na frente eles puxam a sua ficha para certificarem-se que não ouve erro ao nos mandar aqui para cima. Sabe como é né? Computador não é confiável nem aqui no Céu!
_ Puxa, mas o senhor é bem informado sobre os trâmites do pós-morte, heim?
_ Já estive aqui mais de uma vez meu jovem, sou morador de rua, fui professor no passado – disse como que querendo dar uma certa dignidade a sua vida –, mas a bebida é uma desgraça na vida do homem. Enfim, a primeira vez foi por hipotermia, o SAMU me salvou, a segunda foi por coma alcoólico. Lá no hospital meteram glicose na minha veia, me deram choque, adrenalina, o de sempre, e voltei. Mas fiquei tempo suficiente para conhecer uma ou duas coisas aqui de cima.
Fiquei, confesso, impressionado com a desenvoltura do velhinho.
Virei para trás e vi uma moça belíssima, vestida num traje de gala, loira, pernas torneadas, olhos azuis. _ Olá, desculpe a intromissão, mas você me parece tão saudável, o que te trás aqui?
_ Meu noivo, ele achou que devia dirigir após uns tragos e veja só, deu no que deu. Batemos de carro, ele sobreviveu e eu, bom, não preciso terminar a frase, não é mesmo? Disse em tom pouco amistoso.
Bom, de mais a mais, estava começando a me ambientar ali, tomando ciência do espaço, meio que me acostumando com a idéia de estar morto, meio que atoleimado, caminhando vagarosamente no ritmo da fila, imaginando como estava sendo o meu enterro. Será que tinha muita gente? Será que estavam chorando muito? O que os amigos estariam falando a meu respeito? Putz, depois de um tempo notei a bizarrice dos meus questionamentos.
Lá pelas tantas chegou a minha vez. Cansado, com os pés doendo (isso mesmo, não pensem que depois de morto os pés não doem, porque doem) e bastante entediado fui ter com um jovem de asinhas.
_ Boa tarde. O senhor chama-se Gentil de Almeida Franco? Perguntou-me o anjinho barroco adolescente.
_ Sim, sou eu mesmo. E sua graça...
_ Minha graça é o estado de graça. Nós anjos além de não termos sexo não temos nomes meu filho
_ Mas é o Miguel, o Gabriel...
_ Membros da diretoria, tem regalias especiais.
Veja só, regalias especiais, quem diria, talvez algo ligado a tempo de casa, serviços prestados, sei lá. Fiquei curioso.
_ Então seu anjo, Miguel deve ter ganho uma tremenda promoção quando pisou no coisa ruim, né não?
_ Nem me diga, na época ele era operador de averiguação de pecados, pesava almas o dia inteiro, depois que venceu o lá de baixo virou gerente de marketing aqui do Céu. Falou em Céu, todo mundo lembra do filho do Homem e dele, Miguel. Cá entre nós, dizem que até o espírito santo ficou com ciúme.
Sabe, sendo bastante honesto, eu já estava gostando do papinho quando um acessor do anjinho chegou e cochichou uma coisa no ouvido dele. Seu ar tornou-se mais grave, circunspeto. Começou a digitar freneticamente no computador, imprimir páginas.
_ Algum problema seu anjo?
_ Parece haver um erro senhor Gentil, não era para o senhor estar aqui.
Caramba! Fiquei imaginado que me mandariam para a fila ou do purgatório ou, na pior das hipóteses, do inferno. Se a fila do paraíso já demorou um bocado, a destes lugares ia ser uma eternidade. Nem computador haveria de ter, devia ser tudo em ficha de papel cartão, guardada naqueles armários de aço. Comecei a me desesperar.
_ Pelo que parece senhor Gentil, sua hora não é agora, o senhor tem ainda que viver mais uns anos. Temos que despachá-lo de volta!
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, senti novamente um torpor e, bum, acordei na minha cama com a Creuza, toda descabelada, com a cara cheia de creme de pepino, me cutucando.
_ Levanta homem, que preguiça, Jesus! Vai logo que você tem que passar no banco pra pagar um monte de conta!
Puxa vida, não tive chance, vim direto pro inferno!
Senti uma espécie de torpor, e de repente, bum, lá estava eu, em pé, na fila do paraíso. Confesso que tomei três sustos: o primeiro por perceber que tinha morrido, o segundo por saber que existe, realmente, vida após a morte e por fim por estar na fila do paraíso (depois de tudo que aprontei). Ainda tive a ousadia de supor que eu bem podia ter parado no paraíso islâmico (a história das virgens, vocês sabem), mas preferi nem alimentar tal pensamento, afinal eu não sabia a dinâmica aqui do outro lado, imaginem se lêem a minha mente e eu sou considerado herege (afinal, vai que estou no paraíso cristão)? Me mandam para o inferno grego, o hades, o qual, conforme levantei, é barra pesadíssima. Fiquei na minha e deixei essa confusão de paraísos para lá.
Resolvi puxar assunto, afinal fila onde todo mundo fica quieto não é fila. Comecei com o básico:_ Puxa, demora tanto pra fila andar né?
Dirigi-me ao senhor que estava a minha frente. Estava um pouco maltrapilho, não cheirava muito bem, mas tinha um olhar simpático._ E que lá na frente eles puxam a sua ficha para certificarem-se que não ouve erro ao nos mandar aqui para cima. Sabe como é né? Computador não é confiável nem aqui no Céu!
_ Puxa, mas o senhor é bem informado sobre os trâmites do pós-morte, heim?
_ Já estive aqui mais de uma vez meu jovem, sou morador de rua, fui professor no passado – disse como que querendo dar uma certa dignidade a sua vida –, mas a bebida é uma desgraça na vida do homem. Enfim, a primeira vez foi por hipotermia, o SAMU me salvou, a segunda foi por coma alcoólico. Lá no hospital meteram glicose na minha veia, me deram choque, adrenalina, o de sempre, e voltei. Mas fiquei tempo suficiente para conhecer uma ou duas coisas aqui de cima.
Fiquei, confesso, impressionado com a desenvoltura do velhinho.
Virei para trás e vi uma moça belíssima, vestida num traje de gala, loira, pernas torneadas, olhos azuis. _ Olá, desculpe a intromissão, mas você me parece tão saudável, o que te trás aqui?
_ Meu noivo, ele achou que devia dirigir após uns tragos e veja só, deu no que deu. Batemos de carro, ele sobreviveu e eu, bom, não preciso terminar a frase, não é mesmo? Disse em tom pouco amistoso.
Bom, de mais a mais, estava começando a me ambientar ali, tomando ciência do espaço, meio que me acostumando com a idéia de estar morto, meio que atoleimado, caminhando vagarosamente no ritmo da fila, imaginando como estava sendo o meu enterro. Será que tinha muita gente? Será que estavam chorando muito? O que os amigos estariam falando a meu respeito? Putz, depois de um tempo notei a bizarrice dos meus questionamentos.
Lá pelas tantas chegou a minha vez. Cansado, com os pés doendo (isso mesmo, não pensem que depois de morto os pés não doem, porque doem) e bastante entediado fui ter com um jovem de asinhas.
_ Boa tarde. O senhor chama-se Gentil de Almeida Franco? Perguntou-me o anjinho barroco adolescente.
_ Sim, sou eu mesmo. E sua graça...
_ Minha graça é o estado de graça. Nós anjos além de não termos sexo não temos nomes meu filho
_ Mas é o Miguel, o Gabriel...
_ Membros da diretoria, tem regalias especiais.
Veja só, regalias especiais, quem diria, talvez algo ligado a tempo de casa, serviços prestados, sei lá. Fiquei curioso.
_ Então seu anjo, Miguel deve ter ganho uma tremenda promoção quando pisou no coisa ruim, né não?
_ Nem me diga, na época ele era operador de averiguação de pecados, pesava almas o dia inteiro, depois que venceu o lá de baixo virou gerente de marketing aqui do Céu. Falou em Céu, todo mundo lembra do filho do Homem e dele, Miguel. Cá entre nós, dizem que até o espírito santo ficou com ciúme.
Sabe, sendo bastante honesto, eu já estava gostando do papinho quando um acessor do anjinho chegou e cochichou uma coisa no ouvido dele. Seu ar tornou-se mais grave, circunspeto. Começou a digitar freneticamente no computador, imprimir páginas.
_ Algum problema seu anjo?
_ Parece haver um erro senhor Gentil, não era para o senhor estar aqui.
Caramba! Fiquei imaginado que me mandariam para a fila ou do purgatório ou, na pior das hipóteses, do inferno. Se a fila do paraíso já demorou um bocado, a destes lugares ia ser uma eternidade. Nem computador haveria de ter, devia ser tudo em ficha de papel cartão, guardada naqueles armários de aço. Comecei a me desesperar.
_ Pelo que parece senhor Gentil, sua hora não é agora, o senhor tem ainda que viver mais uns anos. Temos que despachá-lo de volta!
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, senti novamente um torpor e, bum, acordei na minha cama com a Creuza, toda descabelada, com a cara cheia de creme de pepino, me cutucando.
_ Levanta homem, que preguiça, Jesus! Vai logo que você tem que passar no banco pra pagar um monte de conta!
Puxa vida, não tive chance, vim direto pro inferno!
1 Comments:
Se no céu já é assim, imagine-se no inferno com a Creuza. Muito boa sacada do Inferno funcionar na base de cartão de papelão em arquivo de metal!
Opa!! o Arquivo Nacional é embaixada do Inferno então!!!
Postar um comentário
<< Home