segunda-feira, agosto 10, 2009

Picadura não é mole não

Resolveu que todos iriam acampar naquele final de semana. Para piorar não quis nem discutir o assunto com a esposa e os trigêmeos, simplesmente chegou na sexta à noite e comunicou que pela manhã todos deveriam arrumar as bolsas de viagem para zarpar numa aventura familiar.
Na verdade, Ariclenes já havia premeditado o golpe todo semanas antes. Entrou na Internet para comprar todos os equipamentos necessários, já que nunca acampara em toda a sua vida. Deu especial atenção às barracas de camping: uma para os três filhos, modelinho básico, e uma mega barraca para ele e sua diletíssima esposa, dona Abigail; a barraca era tão moderna que vinha com frigobar, saco de dormir em forma de coração e espelho nas laterais para dar um clima. A intenção do seu Ariclenes era clara desde o início, queria ir pra mata com a caça já no porta-malas, ou melhor, no banco do carona.
Sábado de manhã todos a postos para partir, um dos gêmeos mandou a seco:
_ Pai, pra que a gente tem que ir pro meio do mato? A gente nunca acampou! Eu não gosto de mato.
_ Que isso menino, vai ser ótimo. Vamos alimentar o espírito de comunhão na nossa família, iremos apreciar a natureza, pescar juntos o nosso almoço...
_ Pai, eu não como peixe! Disse de forma incisiva o outro filho.
Seu Ariclenes não estava nem aí, o que ele queria mesmo era aproveitar a noite, os gêmeos dormindo numa outra barraca a uma distância segura, e desbravar a mata nem tão virgem assim da sua senhora. Encasquetou com a fantasia e nada iria demovê-lo de seu intento, nem os trigêmeos.
A viagem em si já se desenrolou de forma problemática. Na altura do quilometro quinhentos e lá vai fumaça da Dutra, dona Abigail precisou fazer xixi. A questão é que não havia posto, bar, ou qualquer coisa que o valha para a pobre mulher se aliviar. Resolveu então que parariam no acostamento, ele e os filhos fariam paredinha para que ela pudesse enfim saciar seus anseios fisiológicos. Tudo indo as mil maravilhas quando passa um caminhoneiro e grita:
_ Eita bundão branco!
Dona Abigail quase morreu. Para completar o gêmeo que até então não se pronunciara alertou o pai.
_ Pai, não posso entrar no carro.
_ Por que menino?
_ Mamãe fez xixi no meu pé.
Não é necessário dizer que a pobre mulher sentiu sua intimidade ultrajada e passou quase todo o resto da viagem como um bovino indo para o matadouro. Os meninos até que se soltaram um pouco mais e passaram até a cogitar gostar do passeio inventado pelo pai.
Quase três horas depois, chegaram ao camping de Tremembé do Sul, próximo a cidade de Deus nos Livre, a trezentos quilômetros de qualquer localidade que atenda pelo nome de civilização.
Ariclenes era, é claro, o mais animado da trupe. Ao chegar logo escolheu os lugares das barracas e começaram a armá-las.
_ Ariclenes, como é que isso aqui fica?
_ Peraí Abigail, que me enrosquei aqui na barraca dos meninos, quer dizer, enrosquei os meninos. Mas fica calma que tem uns buraquinhos para eles respirarem enquanto eu desvencilho os nós. Vai lendo aí no manual.
_ Acho que o manual ta escrito em coreano Ari.
Depois de quase uma hora, e tendo sobrado uma meia dúzia de varetas, as barracas estavam armadas, algo tortas, mas para orgulho de todos estavam de pé. Foram então preparar o almoço. Dona Abigail armou o fogareiro em cima do pequeno botijão e... E nada, o botijão estava sem gás.
_ Ô Abigail, você não verificou se tinha gás? Reclamava o faminto marido, sobre os olhares igualmente esfomeados dos jovens lobos da matilha.
_ Ué, eu nunca uso esse botijão, a última vez quem pegou foi sua mãe.
De forma sábia, Ariclenes se calou e evitou maiores discórdias. Comeriam os biscoitos àquela noite e na manhã seguinte ele sairia para comprar um botijão cheio. Entupiram-se de bolachas de água e sal e foram se deitar. Não sem antes a última do dia, é claro. Ariclenes dando por falta de um dos gêmeos perguntou aos outros dois:
_ Cadê o irmão de vocês?
_ Deu dor de barriga nele, disse o mais falastrão.
_ E ele achou o caminho do banheiro meninos? Completou a pergunta e logo o terceiro garoto veio caminhando por entre as árvores.
_ Encontrou o banheiro filho?
_ Ué, no mato tem banheiro? Fiz cocô ali num matinho e depois tapei com umas folhinhas. Minha sorte é que eu achei um balde com água morninha e lavei as mãos.
Segundos depois aparece um casal. Ariclenes demorou uma boa meia hora explicando aos seus vizinho de acampamento que seu filho, que nunca pernoitara no mato, não teve a intenção de defecar junto a área que eles haviam delimitado para ser o local das refeições, e que nem tampouco teve a intenção maliciosa de inutilizar a sopa de vegetais que haviam preparado para o jantar. Após muitas desculpas, e dois miojos entregues na forma de cortesia, o casal se convenceu e foi embora.
Crianças recolhidas à barraca, Ariclenes e dona Abigail retiram-se para seu leito. Ariclenes parecia um pavão, peito estufado sussurrou no ouvido da esposa suas verdadeiras intenções. Dona Abigail, com os quartos quebrados da viagem, sem almoço e ainda lembrando da descrição hostil de suas nádegas, não parecia muito disposta a embarcar na fantasia do marido. Porém este, dotado de uma boa lábia que lhe acompanha na profissão de corretor, convenceu a amasiada a entrar na sua onda. Tudo corria bem na noitada do casal quando lá pelas tantas Ariclenes sente uma agulhada nos seus baixos e solta um grito de dor.
_ Aiaiaiaiaiaia, caramba! Um bicho me picou!
_ Picou onde homem?
_ Ora mulher, pelo grito imagines onde!
_ Deixa eu ver Ari.
_ Que isso mulher?
_ Ora Ari, depois de ainda agora você ficou pudico comigo?
_ Ta certo, olha aqui.
_ Vixe Ari ficou enorme heim? Que bicho que te mordeu para ficar grande assim? Nossa, estou impressionada com o tamanho. Essa picadura não é mole não heim!
_ Ô Abigail, você ta de gozação comigo?
Tendo ouvido o trecho final do diálogo, o gêmeo caladão, que fora incumbido pelos irmãos de ver o porquê do grito do pai, retornou a sua barraca completamente ruborizado. Questionado pelos irmãos sobre o que aconteceu ele pesou bem as palavras e soltou:
_ Papai e mamãe estão providenciando um irmãozinho pra gente. Mamãe esta empolgada, mas o papai não quer nem saber da idéia.

CEVDM

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