sábado, setembro 16, 2006

Da série: FICÇÃO PLAUSÍVEL

X

Estava acostumada com a vida metodicamente programada, horário inflexível e jamais questionou o legítimo e supremo argumento do “porque sim”. Era neta de milico, filha de milico, o irmão era milico. Até o cachorro, um pastor alemão, era da P.E. que ia ser sacrificado, mas o coronel ficou com pena e levou o bicho pra casa.

Era toda certinha, sabe? Aquelas meninas que, no colégio, sempre sentavam na frente da professora, tinha o caderno em dia, letra boa e boas notas. Era representante de turma, fazia ballet na escola, tinha bolsa parcial na Cultura Inglesa, não chegava em casa depois das 22h, freqüentava matinês de clubes, mas só na companhia do irmão, não bebia, nem batida docinha e nem pensava em fumar.

Tudo bem que não conseguiu passar em medicina para nenhuma federal, mas, como pra tudo se dá um jeito, fez faculdade de farmácia numa universidade particular sustentada pelo governo federal. Quase a mesma coisa, né?

Formou-se entre os louros da vitória e as lágrimas da família. O coronel, pela segunda vez na vida, derramou uma singela lágrima em público (a primeira foi quando ele ainda era tenente, e o cavalo que ele pretendia montar estampou-lhe a ferradura no...na...lá mesmo). Seu irmão (quase major segundo os últimos boatos) presenteou-lhe com uma enorme coroa de flores. Tudo bem, o que vale é a intenção. Também ia ficar meio estranho um militar sério, oficial de carreira entender desses mimos de flores e outras delicadezas...

Não aceitou o emprego que lhe ofereceram, tinha outros planos. Dedicou-se a entrar para as forças armadas! Oh! Que felicidade! Quem sai aos seus não degenera!

Estudou muito, não fez outra coisa além de estudar. Quando saiu o resultado, não foi surpresa nenhuma: lá estava lá o nome dela, encabeçando a lista. Logo no começo do treinamento entabulou um namoro com um amigo do irmão, rapaz sério, temente a Deus, tenente da corporação, TFP, de boa família e melhores intenções. Casaram-se em seis meses. Passaram a lua de mel em Fernando de Noronha.

Na véspera de ganhar sua primeira promoção, trancou corpo do marido na despensa, foi para o quartel, desviou seis fuzis automáticos leves, dezessete pistolas, doze granadas, oito caixas de munição e todo o éter do laboratório. Agora ela refina toda a cocaína consumida no sudeste e nunca mais teve que chamar aquelas bestas de “senhor”.

sábado, setembro 09, 2006

Da série: FICÇÃO PLAUSÍVEL

IX

Saiu do trabalho meio nervoso, se trancando inteiro, andando meio de lado e com passinhos curtos. Quem mandou trabalhar longe e morar mal? Nunca sentiu tanto ódio de Niterói como naquele dia. Também, com tanto lugar pra morar tinha que morar em Água Santa? Mas vai dar, dá pra segurar até chegar em casa. É só um ônibus, a barca e outro busão. O ponto do dois quatro nove tá sempre com dois, três carros. Se bem que dá pra ir andando até as barcas, é pertinho. Tranqüilamente, vendo a paisagem, passando pela concha acústica, ó só o pessoal jogando rúgbi, olha lá o Canto do Rio! Daqui dá até pra ver o Pão se Açúcar! Já tá chegando. Putz, não tem trocado! Essa filha da puta da bilheteria ainda tá enrolando, vai tocar a porra do sinal! Deu! Corre pra pegar a Ipanema!

Mais vinte minutos e a barca balançando...

Agora é tranqüilo, é só seguir pela Sete de Setembro até o ponto final. É rapidinho. Atravessar a Primeiro de Março foi meio demorado, sempre tem trânsito naquela porra de rua. A Rio Branco foi tranqüilo. Puta que pariu! Não tem busão no ponto! Tem é uma fila da porra! Mas calma, já deve estar chegando um aí, o dois quatro nove tem toda hora...

Chegou! Beleza! Vai dar até pra ir sentado! E a fila diminuindo, diminuindo, diminuindo...

Lugar pra sentar só no banco alto em cima da roda! Não! Mas em pé não dá, é melhor sentar. E foi. Em cima da roda. Suava. Cada buraco um susto, cada calombo um calafrio. Mas agora e rápido, quase não tem trânsito nessa hora.

Que é isso aí na frente? É blitz na Vinte e Quatro de Maio? Porra! Esses caras ao invés de prender bandido ficam perturbando quem...não! Não! Peido não! Não solta! Tranca! Segura! Respira fundo! Isso! Vai passar, vai passar...

Agora é rápido, tá quase chegando. Putz! Tem a Estácio! Caralho! Mas é rápido, tá quase. Até o sinal da estação tá aberto! Tá vendo que sorte?

Dias da Cruz! Até que enfim! Agora é só um retão e....AI! AI! Segura! Prende! Não vai dar, não vai dar! O Habibi’s! Tem que saltar no Habibi’s! Tá sempre aberto! Não! Segura! Já tá chegando, já tá chegando, já passou da Camarista, agora é rapidinho.

Dá sinal. Levanta devagar. Cuidado com o degrau, assim, isso, já tá chegando. Agora é fácil, fica tranqüilo, respira. Pensa em outra coisa. Canta uma música. Olha o prédio, cuidado pra atravessar a rua que nego não respeita sinal aqui não, isso. Vai lá.

Porra! A chave! Tá na mochila, tem que estar! Procura com calma, pensa em outra coisa, isso, assim, olha lá! Achou a chave. Elevador. Não dá pra ir de escada. Tem que esperar o elevador. Calma, são só quatro andares, chega rapidinho.

Quarto.

Terceiro.

Terceiro.

Terceiro.

Porra! Tem alguém prendendo o elevador! Bate na porta! Mas bate com calma! Não fica nervoso, respira fundo. Isso, assim.

Terceiro.

Segundo.

Primeiro.

Térreo.

Chegou! Corre! O quê? Ah, minha senhora, vá pra puta que te pariu! Fica prendendo a porra do elevador e quer reclamar?! Tou com pressa sim, por quê?! Foda-se a senhora! E viado é aquele teu filho!

Primeiro.

Segundo!

Já tá chegando, a chave tá na mão, é só abrir a porta, ali o duzentos e dois, aponta a chave, gira a maçaneta, corre! Corre! Corre!

Levanta a tampa, porra! Rápido, senta!

As calças! Puta que pariu! As calças!

TINHA QUE TER TIRADO AS CALÇAS!!!

quarta-feira, setembro 06, 2006

Um Poema para um homem meio confuso

Na época que o Mangangava era publicado na universidade que fica ali na sesmaria de Araribóia, corria pelo instituto em que estudávamos uma onda de poesia que os distintos leitores deste blog já tiveram a chance de sentir o potencial, representado pelo famigerado ‘Borboleta Negra’. Entre uma e outra de infindáveis viadagens, chegaram ao cúmulo de propor que as festas do curso de história não tivessem mais as coisas que uma festa de gente tem – músicas diversas etc. e tudo ficasse reduzido a rodas de samba e poesia!

Emocionados com essa situação, obviamente Palestino e eu resolvemos participar do movimento. Sacaneando a porra toda. No Mangangavamarela, saiu o ‘Momento do poeteiro’ assinado por um autor cujo pseudônimo era Publius Cacofatus – que a gente publica depois por aqui.

Mas a primeira poesia foi a que fiz para um amigo nosso, hoje curiosamente morando próximo a cidade de Campinas – SP. Sabe aqueles caras que a gente pode classificar como ‘heterossexual afeminado’? Cheio de frescurinhas, indecisões, reclamações? Pois é. Como a gente perdia o amigo, mas não a piada, criei esse singelo poema para nosso amigo (ainda nosso amigo, apesar de tudo):

Um Poema para um homem meio confuso

Intrépido e sagaz valete
Feliz, de tudo se ria
Sonhava em pagar um boquete
Em jogar água fora da bacia

Mas, então, dúvida atroz
Assaltou o perobão:
“Não sentirei dor feroz,
Que me atire na ilusão
Se num gesto sensual
Eu voltar pra fase anal?”

Eis que um dia, notando o valete entristecido
E, adivinhando o motivo de tamanha depressão
Um certo boticário lascivo
Forneceu-lhe a solução:

“Ó jovem boiola, não chores por tua indecisão!
Pois se temes que o ato anal te causes dor,
Que macule cruelmente o triunfo do amor
Apenas isso, necessitas de lubrificação!”

“Por alguns cobres, em qualquer esquina
Ou mesmo comigo conseguirás a salvadora vaselina
Que te permitirás montar em imenso falo
E nele em prazeres cavalgar até São Gonçalo!”

Iluminado de alegria, terminou a indecisão
E, sem medo, o valete teve a realização
E hoje em dia não tem pra quem ele não dê
Nas bucólicas plagas do Colubandê

Intrépido e sagaz valete
De prazeres atingiu os céus
E agora sua fama de gilete
O persegue até Ilhéus!

Em tempo: a inspiração do poema além do nosso amigo, veio de um anúncio encontrado na velha revista “Casseta Popular” de um produto chamado “Hair-Tonic”. Naquele tempo eles eram engraçados...

Luciano;
Em 06/09/2006 A.D.

Sobre a dignidade humana

Bom Mesmo é Cu!

Há alguns anos atrás, trabalhava eu como revisor de textos numa renomada editora que tinha como grande especialidade a publicação de livros médicos. Entre nôminas anatômicas, descrições detalhadas de procedimentos cirúrgicos que fariam até Torquemada ranger os dentes, e infindáveis fotografias das mais bizarras maneiras que uma pele doente pode ter num Atlas de dermatologia, eis que me cai nas mãos, num dia chuvoso e particularmente desinteressante, um capítulo de um livro de proctologia, o ramo da medicina mais engraçado de todos (não do ponto de vista da vítima do exame de toque retal). Abrindo o capítulo, que era sobre procedimentos cirúrgicos na área de serviço (isso mesmo, operação no rabo), uma epígrafe que me fez quase perder o emprego, de tão alto que gargalhei. Ei-la para vosso deleite, e com a devida referência autoral e bibliográfica:

Você pode lesar, deformar, destruir, remover, maltratar, amputar, aleijar ou mutilar todas as estruturas no interior do ânus e ao redor dele, exceto uma. Essa estrutura é o esfíncter do ânus. Não existe um músculo ou estrutura no corpo que possua um senso de alerta mais agudamente desenvolvido e capacidade de acomodar-se a situações variáveis.

Afirma-se que o homem tem sucesso onde os animais falham, devido ao uso inteligente das mãos; porém, quando comparado a elas, o esfíncter anal é bem superior. Se você colocar em suas mãos em forma de concha uma mistura de líquido, sólido e gás e depois, através de uma abertura no fundo, tentar deixar sair apenas o gás, não conseguirá. Porém, o esfíncter anal pode fazê-lo! O esfíncter aparentemente pode diferenciar entre sólido, líquido e gás. Aparentemente ele pode dizer se seu dono está sozinho ou com alguém; de pé ou sentado; se seu dono está de calças ou sem. Nenhum outro músculo do corpo protege tanto a dignidade humana, e está tão pronto para vir em seu socorro. Um músculo como este deve ser protegido.


Bornemeier, W. C. “Sphincter Protecting Hemorrhoidectomy”. In: American Journal of Proctology, 1960, 11:48.

Escrito por Luciano;
Publicado em 06/09/2006 A.D.

E postado por Patrício, se peidando de rir ao notaras iniciais do Doutor de cu !

"É fazendo força que a gente faz força" ou "A União faz açúcar"

Seguinte, cambada:

Além deste percussionista de teclado que por ora vos fala, o meu, o seu, o nosso Mangangavamarela agora tem mais um escritor.

Trata-se do meu camarada Luck Luciano, o Facínora da Amaral Peixoto, já apresentado aqui como co-fundador da versão xerocada do Mangangavamarela. Fico devendo um perfil do consumidor, mas por hora, basta saber que ele é funcionário de César, o Maia, figurante dos filmes do Jack Chan e guitarrista da banda La Puta Madre! nas horas vagas.

E ele fica devendo as cópias do Mangangavamarela, que ele tem um monte e eu não tenho nenhuma!

Então, sedo assim, aí vão dois textos que ele me mandou publicar. O cara é franzino mas é figurante do Jack Chan, convém não contrariar...

segunda-feira, setembro 04, 2006

Da série: FICÇÃO PLAUSÍVEL

VIII

Era um desses sujeitos pacatos e sem grandes atrativos, que vivem em paz sua vidinha morna. Contabilista, Kardecista, sub-síndico do condomínio Solar dos Ipês, levemente racista e homofóbico e membro da venerável Ordem da Rosa Cruz. Queria mesmo é ser da Maçonaria, mas nunca pintou um convite.

Um dia, voltando do Centro Espírita Luz e Caridade, foi colhido em meio a uma malta rubro negra, que voltava nas asas de uma vitória sobre o seu amado tricolor das Laranjeiras. Encolheu-se bem no banco do ônibus e tentou não dar confiança. Nem olhava para ninguém enquanto a turba entoava o seguinte estribilho: “Todo viado que eu conheço é tricolor”.

O caldo derramou quando um negrão três por quatro lhe perguntou: “por causo de quê que o distinto tá olhando?” e ele, escolhendo as palavras como quem escolhe a aliança:

“Infelizmente, cidadão, não comungamos das mesmas preferências desportivas.”

Pois foi o que bastou para o negão se levantar e anunciar:
“O distinto aqui, além de comunista é vascaíno!”

Imediatamente um Paraíba propôs:

“A gente vamos matar ele!”

Tomou tanta porrada que não escapou nem a alma. Quer dizer, a alma até que escapou, mas chegou no “Nosso Lar” bastante amarrotada.

Da série: FICÇÃO PLAUSÍVEL

VII

Pirou e saiu correndo pelado pela rua e cantando o Hino do Vasco da Gama.
Foi chamado de:

Babaca, pelo taxista;

Bundudo, por um sacana;

Piroquinha, pela estudante;

Bacalhau otário, por um flamenguista;

Escroto, pelo dono da padaria;

Ímpio, por um pastor evangélico;

Arrombado, pela própria irmã;

Coitadinho, pela bicha do 502;

Filho da puta, por outro cara nu, no sentido contrário, cantando o hino do Botafogo.

Foi preso e recolhido aos costumes. Apanhar na delegacia até que nem foi tão foi ruim. Foda mesmo foi dividir a cela com o botafoguense.