quarta-feira, maio 24, 2006

Gafanhotos, furacões, terremotos e telemarketing

Eu sei que é feio, anti-solidário, condenável, que a situação tá preta, tá ruim pra todo mundo, que o patriota do outro lado da linha não só não tem culpa, como também não tem nada a ver com meus problemas, mas como eu também não tenho nada com os problemas de ninguém, declarei guerra sem quartel, ampla e irrestrita ao telemarketing.
Apesar de ter alguns amigos que trabalham nisso, e que já apresentaram defesas acaloradas da profissão –e aí, Vítor? Beleza? Nada pessoal, ok? –ainda não me convenci que seja verdadeiramente digno, justo, racional e salutar receber um telefonema de alguém que eu não conheço, me oferecendo coisas que eu não quero, numa hora em que não posso atender, fazendo perguntas que eu me recuso a responder!
Sem falar no cruel assassínio da última flor do Lácio, inculta e bela! Essa gente não fala português porquê? “Estaremos depositando esta tarde, senhor”. Francamente! Future with going to fica muito melhor em inglês. Em português não funciona! E senhor é pronome de tratamento, faça-me o favor!
Assim sendo, por isso e mais um pouco, resolvi partir para o ataque! Pode me telemarquear à vontade, mas vou dar o troco:

"Senhor Ricardo, aqui quem fala é Cláudia, do jornal ‘O Globo’, o senhor tem um minuto?"

Não, minha filha, eu tenho trinta anos.

"Senhor Ricardo, aqui quem fala é Estevão, da Claro, e ainda não acusamos o recebimento da sua conta...

Acho bom que não acusem! Ora! Vocês não testemunharam nada! Ouviu bem? Nada!

"Mas senhor, não é isso..."

É sim! Acusar sem ter provas é calúnia! Entendeu? E isso eu não admito!

"Senhor Ricardo, bom dia, meu nome é Michelle, eu trabalho no departamento de promoções da Tim, posso falar com o senhor?"

Você devia perguntar isso antes de me telefonar!

"...então, senhor, para sua segurança..."

Como assim, para minha segurança? Você sabe de alguma coisa? Eles me descobriram!? Maldita C.I.A.! Quer dizer: não fui eu! Sou inocente! Eu estava no Brasil em onze de Setembro!

"O senhor poderia estar confirmando seus dados pessoais?"

Claro que não. São meus, e são pessoais!

"Mas, senhor, nós precisamos ter certeza que falamos com o senhor mesmo."

Mas eu sei que eu sou eu. Eu só poderia não ser eu se eu fosse outra pessoa, e se eu fosse outra pessoa não estaria falando com você agora. Estaria fazendo o que outra pessoa está fazendo agora. Mas estou aqui, falando com você. Isso prova que eu sou eu. Aliás, se eu fosse outra pessoa eu queria ser o Sílvio Santos. Todo mundo gosta do Sílvio Santos. Você não gosta?

"Mas senhor, não se trata disso..."

Não se trata de gostar do Sílvio Santos?

"É que precisamos da confimação dos seus dados, pra confirmar sua identidade."

Ah!, minha identidade! Ih, minha filha, isso é complicado! Desde que o mundo é mundo o homem busca sua identidade! Sócrates, por exemplo, dizia: conhece-te a ti mesmo. Ser, ou não ser? Eis a questão! O que é mais nobre para o espírito? Faz o seguinte, minha filha, me liga depois, que agora eu vou ler Macbeth e refletir um pouco sobre esse assunto.

E por aí vai! Vamos ver quem é mais chato!