segunda-feira, julho 27, 2009

O broche

Guardava com um cuidado e com um carinho aquele broche, que parecia ser feito do mais puro metal precioso incrustado de pedrarias da antiga coroa espanhola. Na verdade era bijuteria, antiga, mas bijuteria. Sua avó havia lhe dado como parte de uma herança de bugigangas que ela mesmo colecionara durante uma vida.
Certa feita sua mãe resolveu fazer uma limpa no seu armário, catar roupas velhas para doar e ´coisas inúteis´ para jogar fora. Engraçado que o critério que define o que é imprestável para um não é para o outro. Foi nisso que o bicho pegou. E não largou.
_ Mããããeeeeeee!!!!!!!!!! Você mexeu no meu armário?
_ Não grita menina! Que coisa! Parece que eu e seu pai não te demos educação! Mexi menina, tirei umas roupas para dar e joguei umas bijus velhas fora.
Bastou. Na verdade, a coisa estava esquentando que nem panela de pressão entre mãe e filha há alguns dias já. Desde que a mãe lhe proibira de encontrar com um menino do terceiro andar do bloco b, afamado por ser a pedra no sapato do síndico geral, a jovem estava nos cascos.
_ Mãe, não me diz que você jogou aquele broche que a vovó me deu fora?
_ (...)
_ Mãe?!?!
_ Ué, você falou pra eu não dizer! Eu não disse! Então?
Os olhos da guria pareciam duas bolas de fogo, prestes a envolver a mãe e torrá-la. Ficou ali, estupefata um bom par de minutos, quando do fundo da sua alma brotou-lhe dos olhos lágrimas, que não só apagaram as labaredas que teimavam em lhe arder, como acenderam em sua mãe um remorso tremendo.
_ Que isso filha, vai chorar por causa de um broche velho de plástico?
E as lágrimas desciam em profusão, os soluços entrecortavam qualquer tentativa de falar.
_ O... bro...che...da...vo...vó.... Buááááááááá!
A mãe já estava a ponto de chamar um médico, a SAMU, os bombeiros, a NASA, enfim, qualquer um para fazer sua filha melhorar, quando o interfone tocou.
_ Mãe, gritou o mais novo, que assistia, de rabo-de-olho, o drama da irmã! A vovó tá subindo.
O desespero da filha triplicou, além de chorar começou a andar de um lado para o outro, falando coisas sem nexo.
_ Ai meu Deus, me ajuda! A vovó, a vovó, ai meu Deus do céu!
Correu para os fundos, revirando os sacos de lixo, parecia um vira-lata faminto. A mãe a seguiu sem saber o que fazer. Achou melhor seguir a velha máxima, aquela que diz que louco não se contraria.
De repente um grito eufórico:_ Achei, achei, achei! Entre uma lata de ervilhas e restos de macarrão do almoço do dia anterior, emergiu meio sujo, mas intacto, o broche. A alegria era incontida, a menina pulava de alegria.
_ Ora veja, que empregada danada, não despachou o lixo de ontem. Disse a mãe, meio que sem saber se ficava feliz pelo entusiasmo da filha ou se continuava a procurar no livreto do plano de saúde um psiquiatra para marcar uma hora para a filha.
Rapidamente a filha limpou o broche e sapecou-lhe no peito.
_ Filha, eu...
A campanhia tocou. Era a vovó. A menina atravessou a cozinha e atirou-se a porta numa velocidade que quase levou a mãe ao chão. Abriu a porta com um sorriso de canto a canto da boca. Nem parecia aquele poço de lágrimas e soluços de minutos antes.
_ Oi vó!
_ Oi minha netinha. Nossa, você esta cada vez maior, uma verdadeira mocinha! Ora veja, o broche que lhe dei. Você o está usando, mais que mimo! Já lhe contei que foi com esse broche que conheci seu avó? Que homem! Vestido naquela farda da marinha, meu Deus, até hoje fico sem fôlego!
_ Verdade vovó? Disfarçava a adorável netinha, que na verdade havia escutada a mesma história da boa senhora uma semana antes.
_ Você é um doce meu bem. Fico admirada do cuidado que você tem com as coisas que lhe dou. Mostra que você se importa. Olhe, tome aqui, sei que o que faz é de coração e que nunca pediu recompensa por isso, mas eu quero lhe fazer um agrado. Tome este adiantamento da sua mesada.
E estendeu-lhe uma nota de R$ 50,00, que a inocente mocinha a princípio recusou, e depois, por insistência da vovozinha, aceitou.
_ Brigada vó. Disse num tom brando e delicado. E retirou-se para o quarto, toda serelepe.
A mãe, refeita do susto e entendo o enredo do drama, fechou o livrinho do plano de saúde e foi ter uma conversa com a vovozinha ludibriada. E o irmão, na sala, fingindo-se distraído pelo videogame, aprendia com o talento da irmã, a artista da família.

domingo, julho 19, 2009

A morte do senhor Gentil

Para compensar o poeminha ligeiramente deprê e gay.

Senti uma espécie de torpor, e de repente, bum, lá estava eu, em pé, na fila do paraíso. Confesso que tomei três sustos: o primeiro por perceber que tinha morrido, o segundo por saber que existe, realmente, vida após a morte e por fim por estar na fila do paraíso (depois de tudo que aprontei). Ainda tive a ousadia de supor que eu bem podia ter parado no paraíso islâmico (a história das virgens, vocês sabem), mas preferi nem alimentar tal pensamento, afinal eu não sabia a dinâmica aqui do outro lado, imaginem se lêem a minha mente e eu sou considerado herege (afinal, vai que estou no paraíso cristão)? Me mandam para o inferno grego, o hades, o qual, conforme levantei, é barra pesadíssima. Fiquei na minha e deixei essa confusão de paraísos para lá.
Resolvi puxar assunto, afinal fila onde todo mundo fica quieto não é fila. Comecei com o básico:_ Puxa, demora tanto pra fila andar né?
Dirigi-me ao senhor que estava a minha frente. Estava um pouco maltrapilho, não cheirava muito bem, mas tinha um olhar simpático._ E que lá na frente eles puxam a sua ficha para certificarem-se que não ouve erro ao nos mandar aqui para cima. Sabe como é né? Computador não é confiável nem aqui no Céu!
_ Puxa, mas o senhor é bem informado sobre os trâmites do pós-morte, heim?
_ Já estive aqui mais de uma vez meu jovem, sou morador de rua, fui professor no passado – disse como que querendo dar uma certa dignidade a sua vida –, mas a bebida é uma desgraça na vida do homem. Enfim, a primeira vez foi por hipotermia, o SAMU me salvou, a segunda foi por coma alcoólico. Lá no hospital meteram glicose na minha veia, me deram choque, adrenalina, o de sempre, e voltei. Mas fiquei tempo suficiente para conhecer uma ou duas coisas aqui de cima.
Fiquei, confesso, impressionado com a desenvoltura do velhinho.
Virei para trás e vi uma moça belíssima, vestida num traje de gala, loira, pernas torneadas, olhos azuis. _ Olá, desculpe a intromissão, mas você me parece tão saudável, o que te trás aqui?
_ Meu noivo, ele achou que devia dirigir após uns tragos e veja só, deu no que deu. Batemos de carro, ele sobreviveu e eu, bom, não preciso terminar a frase, não é mesmo? Disse em tom pouco amistoso.
Bom, de mais a mais, estava começando a me ambientar ali, tomando ciência do espaço, meio que me acostumando com a idéia de estar morto, meio que atoleimado, caminhando vagarosamente no ritmo da fila, imaginando como estava sendo o meu enterro. Será que tinha muita gente? Será que estavam chorando muito? O que os amigos estariam falando a meu respeito? Putz, depois de um tempo notei a bizarrice dos meus questionamentos.
Lá pelas tantas chegou a minha vez. Cansado, com os pés doendo (isso mesmo, não pensem que depois de morto os pés não doem, porque doem) e bastante entediado fui ter com um jovem de asinhas.
_ Boa tarde. O senhor chama-se Gentil de Almeida Franco? Perguntou-me o anjinho barroco adolescente.
_ Sim, sou eu mesmo. E sua graça...
_ Minha graça é o estado de graça. Nós anjos além de não termos sexo não temos nomes meu filho
_ Mas é o Miguel, o Gabriel...
_ Membros da diretoria, tem regalias especiais.
Veja só, regalias especiais, quem diria, talvez algo ligado a tempo de casa, serviços prestados, sei lá. Fiquei curioso.
_ Então seu anjo, Miguel deve ter ganho uma tremenda promoção quando pisou no coisa ruim, né não?
_ Nem me diga, na época ele era operador de averiguação de pecados, pesava almas o dia inteiro, depois que venceu o lá de baixo virou gerente de marketing aqui do Céu. Falou em Céu, todo mundo lembra do filho do Homem e dele, Miguel. Cá entre nós, dizem que até o espírito santo ficou com ciúme.
Sabe, sendo bastante honesto, eu já estava gostando do papinho quando um acessor do anjinho chegou e cochichou uma coisa no ouvido dele. Seu ar tornou-se mais grave, circunspeto. Começou a digitar freneticamente no computador, imprimir páginas.
_ Algum problema seu anjo?
_ Parece haver um erro senhor Gentil, não era para o senhor estar aqui.
Caramba! Fiquei imaginado que me mandariam para a fila ou do purgatório ou, na pior das hipóteses, do inferno. Se a fila do paraíso já demorou um bocado, a destes lugares ia ser uma eternidade. Nem computador haveria de ter, devia ser tudo em ficha de papel cartão, guardada naqueles armários de aço. Comecei a me desesperar.
_ Pelo que parece senhor Gentil, sua hora não é agora, o senhor tem ainda que viver mais uns anos. Temos que despachá-lo de volta!
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, senti novamente um torpor e, bum, acordei na minha cama com a Creuza, toda descabelada, com a cara cheia de creme de pepino, me cutucando.
_ Levanta homem, que preguiça, Jesus! Vai logo que você tem que passar no banco pra pagar um monte de conta!
Puxa vida, não tive chance, vim direto pro inferno!

sábado, julho 18, 2009

Tabaco

Piteira do cachimbo enclausurada entre os lábios
Conduzindo a fumaça doce entre as frestas dos meus dentes
Acalentando minha angustia não explicada
Fornicando com minha língua obscena
Malabaris de alcatrão esvoaçam pelo ar, dando-lhe forma de mistério
Enquanto o peso do coração teima em me puxar mais para o fundo
Somente o tabaco me consola agora
Quando nada faz sentido no meu mundo
Vejo o rebordo do fornilho acender a cada puxada
Lembrando-me do fogo que devo manter crepitando
Crepitando, crepitando, crepitando
Somente o tabaco me consola...


(Para não dizer que não falei de flores, continuo não falando, pefiro falar do tabaco)

segunda-feira, julho 13, 2009

Diálogo impertinente

_Ops, queira desculpar.
_ Não, não desculpo não!
_ Como?
_ Não como nada, só não desculpo.
_ Mas foi só um esbarrão.
_ A calçada é enorme, tinha que passar justamente do meu lado?
_ Bom, você também poderia ter se afastado de mim.
_ Primeiro: você uma ova, é senhor! Ouviu, senhor!
_ Mas você, quer dizer, o senhor tem pelo menos vinte anos a menos do que eu, o que pelo meus cálculos significa que vo..., o senhor tem uns quinze anos.
_ Agora quer dar uma de matemático! Dezesseis incompletos, e de mais a mais, respeito tem idade?
- Não, mas...
_ Então é senhor e estamos conversados.
_ Muito bem, então por que o senhor não me desculpa pelo esbarrão?
_ Porque não quero e pronto!
_ Porque não, não é resposta.
_ É sim, só tenho quinze anos, não preciso de mais motivos.
_ Não eram dezesseis incompletos?
_ Que perfazem quinze não é mesmo?
_ Sim mas...
_ Sem mais, você esta me atrasando! Eu tenho curso sabia?
_ Não, não sabia. E, veja bem, para o senhor também não é você, é senhor, ouviu, quero ser tratado por senhor.
_ Querer não é poder. E você é muito jovem para ser chamado de senhor.
_ Jovem? O senhor acha? Que isso, me sinto um velho.
_ Verdade, tem cara de velho.
_Mas acabaste de me dizer que sou muito jovem para ser chamado de senhor!
_ Novo para ser chamado de senhor, mas velho para ter cara de velho.
_ Ora, vamos parar por aqui que esta conversa esta sem pé nem cabeça. Me desculpe logo e acabe logo com isso!
_ Me dê uma razão para lhe desculpar?
_ Além de ter pedido desculpas?
_ É.
_ Bom, vejamos...
_ Sem argumentos?
_ Me deixe pensar, ora bolas!
_ Já sei, o esbarrão não foi forte, precisamos ser solidários, éééééé, peraí, ah, não sei. Não me ocorre mais nada na cabeça.
_ Me paga um lanche aqui na padaria do Zé que eu desculpo.
_ Quer guaraná ou coca-cola.
_ Pepsi. E o sanduíche é natural.

quinta-feira, julho 09, 2009

A roubada do carro furtado

Conhecem a máxima “a males que vem para o bem”? Em 99, 9 % das situações em que ela vem a nossa cabeça por situação qualquer que passamos, ela não só não nos trás conforto como deixa-nos fulo da vida. Quando tive meu carro furtado, um Santana prata ao qual já havia me afeiçoado apesar do kit gás, que bem podia ser considerado um kit bomba, de tanto defeito e explosão que dava, tentaram me consolar com essa maldita frase e suas congêneres:
_ “Pô cara, ele não tava dando defeito? Agora é a oportunidade para você comprar outro”.
_ “ Oha só, quando o coisa ruim fecha uma porta, Deus abre uma janela”.
Este tipo de otimismo deveria ser regulamentado por lei no sentido de coibi-lo, pois fere nosso direito de achar, em algum momento, nossa vida uma merda.
Mas sabe que eu ainda tirei algum proveito desse dia, e veja que era para ter sido um desastre completo pelas razões que faço questão de enumerar, além do óbvio furto do carro:
1) Era o dia do aniversário da minha filha mais velha e tínhamos ido a um restaurante de comida mineira comemorar, dali o plano era irmos a um parque de diversão. Melou tudo e a pobrezinha só conseguia repetir “_ Papai, o ladrão levou a minha lancheira”;
2) O torresmo estava uma droga;
3) Meu cartão de crédito não passou e tive que pagar com o de débito, afundado-me mais ainda no mar de lama do especial;
4) Uma coroa bebeu o último gole de licor de cereja na minha frente (acho que fiquei mais “p” da vida com isso do que com o furto do carro).
5) Fui na delegacia errada dar queixa;
6) O sistema informatizado na delegacia certa havia “caído” e tive que voltar no dia seguinte.
Sentiram a barra né?
No dia seguinte voltei à delegacia para dar parte, logo cedo, aproveitando uma carona da minha cunhada que trabalhava nos arredores. Chegando lá.... O sistema continuava “caído”. Sabem, deveria existir um viagra de computador, algo assim para ele dar 2 tetrabytes sem sair de cima, desta maneira jamais haveria um sistema “caído” novamente.
Voltei à noite. Aí começa, meus caros leitores, o proveito que tirei deste episódio que maculou um dia feliz, o dia que comemorávamos mais uma primavera da minha princesinha.
Cheguei e me dirigi à recepcionista (era uma delegacia legal, nas quais tem uma mocinha que faz a triagem). Anotou tudo e mandou que eu aguardasse. Sentei-me e notei ao meu lado um cavalheiro que reconheci da noite anterior, também vítima de furto, do outro lado do banco um sujeito com o pé enfaixado, a cara meio amarrotada, acompanhado de uma mulher e, andando de um lado para outro, um rapaz estilo zona sul, dos seus vinte e poucos anos, com aparência bastante agitada.
O rapaz estropiado não agüentou esperar e foi embora. Parecia ser briga de família. O outro agitadinho não parava de falar com a mocinha da recepção, informando que seu irmão havia lhe agredido, inclusive fornecendo o artigo do código criminal. Mais uma briga de família. Seguindo a ordem, o colega de furto, digo, que também teve o carro furtado foi o primeiro a entrar, blablablabla, cinqüenta minutos depois era vez do agitadinho. Para minha surpresa eu fui chamado. Sem questionar (quem questiona em delegacia são os policiais; vítima relata e acusado se defende como pode) entrei.
Fui recebido por um inspetor que educadamente mandou-me sentar e perguntou o que me trazia a delegacia. Tive ânsias de perguntar se eles vendiam coca-cola, mas minha mãe me deu juízo, e afinal eu precisava do BO.
Quando eu iniciava meu relato a mocinha da recepção entrou e disse ao inspetor:
_ O senhor vai atender o rapaz que esta esperando aí fora?
_ Vou porra nenhuma! Vem pra DP resolver briga de família! Toda semana é a mesma coisa. Isso dito aos berros da mesa que ficava a uns 3 metros da onde estava o rapaz.
_ Pois não seu Eduardo, continue.
_ Blábláblá, estava no restaurante mineira, blablablabla, aniversário da mais velha, blablablabla, saímos por voltas das 16:00 h, blábláblá, o carro sumiu, blábláblá. Entra novamente a mocinha da recepção.
_ Inspetor, eu notei que o rapaz é meio... Assim meio... Doidinho né, consegui o número da casa dele e falei com os pais, eles estão vindo pra cá. O senhor vai falar com ele?
_ Vou merda nenhuma, depois desse rapaz aqui vou lá fora tomar um café ele que fique por aí! Só me aparece maluco. Disse isso num tom um pouco mais alto do que o anterior.
Foi a deixa.
_ Aparece muita gente doida em delegacia né não inspetor?
Recostou-se na cadeira, jogou os braços sobre a cabeça e soltou.
_ Demais seu Eduardo, aparece cada um que o senhor não iria acreditar.
_ Como não ia inspetor, conta aí.
Descontraiu de vez.
_ Certa feita num plantão em que estávamos eu e o Cenourinha (o legume que apelidava o policial era outro, mas achei melhor mudar, questão de direitos autorais) entrou porta adentro da delegacia um negão do tamanho de um bonde, encarou a mim e ao Cenourinha com um olhar de doido e mandou na lata:
_ “Tem homem aqui para me dar porrada?”
_ Aí seu Eduardo, segurei logo no ferro que tava na cintura, porque aquele não dava pra encarar na mão não. Mas ossos do ofício né, perguntei ao cidadão:_ Por que você quer um homem pra te dar porrada?
_ “Eu explico, fica calmo, eu explico. Eu não vou reagir não, não vou bater em ninguém não, eu só quero tomar uma surra arrumada. E vou até pagar por isso”.
_ Os olhos de Cenourinha chegaram a saltar quando ouvi falar em ganhar um extra.
_ Vai pagar quanto? Perguntou o Cenourinha.
_ “Vou dar cem reais”!
_ Os olhos do Cenourinha murcharam seu Eduardo. Mas ele ainda fez uma contra-proposta:_ Olha só parceiro, por cem conto eu só te quebro um braço, agora se tu arrumar quinhentos conto eu quebro teus braços, tuas pernas, tua cabeça e ainda arranjo a ambulância pra te levar pro Azevedo Lima.
_ O negão deu meia volta e nunca mais voltou seu Eduardo.
Dei uma risadinha (a vontade era de gargalhar) pois achei conveniente ser educado e larguei de novo.
_ Deve ter mais casos, heim inspetor.
_ Um monte seu Eduardo. Certa feita me entra na DP um cidadão com um gato na mão, o bicho só mexia a pata de trás, o resto todo parado, o bicho todo esfolado, mas vivo. Mando o cara sentar e explicar o que havia acontecido com ele. O cara então começa:_ “Sabe o que é inspetor, esse gato aqui pulou meu muro”.
_ E eu lá seu Eduardo, com aquela cara de que que eu tenho haver com essa merda. E camarada continuou.
_ “Sabe o que é inspetor, o meu cachorro mordeu o bichinho todo. Olha como ele ficou.”
_ E eu pensando seu Eduardo, e daí, não sou veterinário. E continuou.
_ “Sabe o que é inspetor, levei o bichinho no veterinário para ver se dava jeito. O doutor disse que não tinha como salvar e mandou sacrificar. Mas me cobrou cem reais inspetor, e eu não tenho esse dinheiro”.
_ Aí eu não agüentei seu Eduardo, perguntei ao cidadão o que ele tinha ido fazer na delegacia. Sabe o que ele me respondeu seu Eduardo?
Balancei negativamente a cabeça.
­_ Disse assim:
_ “Sabe o que é inspetor, é que vocês da polícia são uns desalmados, todo mundo sabe. Eu pensei que o senhor podia dar um tiro no gatinho e acabar com o sofrimento dele”.
Gente, nesse momento eu descobri que tenho autocontrole, porque a vontade era de rachar o bico. Mas me contive.
_ E aí inspetor, o que o senhor disse.
_ Eu não disse nada seu Eduardo, saquei a barra de ferro que estava debaixo da mesa e dei umas porradas no FDP. Veja só, desalmados. Pode seu Eduardo?
_ Pode não inspetor.
Numa próxima conto os outros causos que o inspetor me confidenciou, por hoje é só pessoal.

CEVDM

domingo, julho 05, 2009

Um conto de dois pontos

No ônibus, sete da manhã, ainda catando nos dentes os restos do café que não saíram com a escovação apressada, pensando no dia infernal que se rascunhava a minha frente, doido para o tempo acelerar até as seis da tarde, põem-se em pé ao meu lado (estava eu sentado ao lado do corredor), tendo mais uns dez lugares vazios no coletivo, o senhor Procópio. Sei o nome da peça pois foi a primeira coisa que o senil, digo, gentil senhor fez ao me dirigir a palavra: apresentar-se.
_ Olá rapazola, meu nome é senhor Procópio.
Juro que fiquei na dúvida se senhor era o primeiro nome do homem.
_ Olá senhor. Disse eu secamente, na esperança de que nosso diálogo ficasse por aí, e eu pudesse continuar em silêncio remoendo minhas infelicidades futuras.
_ Vejo que esta sozinho, não é verdade?
Aí era a deixa para eu me livrar dele.
_ Sozinho? Perdão, não entendi bem a sua colocação.
_ Quero dizer que não há ninguém sentado ao seu lado, não é verdade meu caro mancebo.
Quando ele pronunciou mancebo eu sabia que devia continuar com o plano maquiavélico que se afigurou na minha cabeça na fração de segundos anterior.
_ Queira perdoar senhor, mas creio estar vendo minha noiva bem aqui ao meu lado, pois não? Ou se afirmar que não, quero crer que o senhor esta sendo jocoso!
O senhor Procópio arregalou uns olhos bem grandes, espanou a calça de tergal, e demonstrando firmeza me inqueriu.
_ Vejam só, o menino não respeita os mais velhos, não é mesmo? Estou vendo muito bem, com este olhos que a terra há de comer, que não existe noiva nenhuma, deste ou de outro mundo, ao seu lado! Eis um galhofeiro de primeira meninote.
Juro, quem já estava achando que o senhor era uma aparição era eu, cheguei a piscar os olhos mais de uma vez para ter certeza. Como ele não sumiu, deduzi que vivo ele estava, só que vivia no século XVIII, quiçá com boa vontade no XIX.
_ Veja só meu caro senhor Procópio, que educação meu pai e minha mãe me deram com esmero, porém não posso acreditar que alguém, no alto da sua maturidade, venha a esta hora da manhã provocar constrangimento a mim e a minha doce Alzira, visto que sendo ela de boa família, não esta acostumada a tais situações.
Confesso que por um segundo ou menos, tive pena do pobre senhor, vítima de um eremita de ônibus como eu, o tipo que não suporta puxar papo ou ser puxado ao papo. O senhor Procópio me olhava ora espantado ora irritado, em pé, sobre os olhares dos outros passageiros que acompanhavam interessados o episódio surrealista que se desenrolava.
_ Meu jovem, por um acaso está me achando com cara de bobo? Repreendeu-me severamenta o velhinho.
_ Ora veja o que o senhor fez! Virando-me para a esquerda, como se falando com alguém, dizia. _ Não chore doce Alzira, este pobre homem deve ser um alienado, não lhe queira mal nem se assuste, não deixarei que nada de mal aconteça contigo. Fique calma meu amor.
O senhor Procópio já havia mudado de cor algumas vezes a essa altura, encontrando-se naquele momento num tom lívido com os lábios arroxeados, trêmulo, bastante agitado eu diria.
_ Olhe meu rapaz, não vou continuar a ser alvo de seus chistes maliciosos, até por que chegou meu ponto. Adeus. E desceu enfurecido, a passos largos, do coletivo.
Fiquei ali, num misto de êxtase e culpa (mais êxtase na verdade), remoendo novamente em paz minhas angústias do dia, após ter achincalhado uma pobre alma, que talvez pudesse ter me ensinado algo de valioso. Mas nunca fui politicamente correto na minha vida, e não iria começar naquele dia.
Dali a pouco, logo após a partida do senhor Procópio, a senhora que estava no banco da frente, que até então havia me passado em brancas nuvens, virou para trás e disse:
_ Fica assim não Alzirinha minha filha. Sabe, eu sou idosa, mas tem velho que é abusado, vê gente nova e acha que tem que sentar no lugar deles. Esse aí certamente queria que seu noivo se levantasse. Arrisca até ser um desses velhos tarados e passar a mão em você.
Disse isso e virou-se para frente. Dali a dois pontos chegou a minha vez de descer.
Até hoje não sei se a vovozinha me sacaneou e vingou o senhor Procópio, ou se era doida mesmo.