sexta-feira, agosto 28, 2009

Sexo para lá da terceira idade

O casal de idosos resolve comemorar os cinqüenta anos de casados no motel. O velhinho foi quem deu a idéia, mas a velhinha assinou embaixo e se mostrou a mais empolgada.
_ Ô meu velho, você acha que eu devo comprar uma dessas lingeries sensuais?
_ Compra sim minha nêga, dessas com a calcinha bem pequenina.
Passaram praticamente uma semana nos preparativos. O vovozinho conseguiu com o seu médico uma prescrição para uma caixa de viagra e duas de hipertensivo, já a vovozinha conseguiu amostras grátis de lubrificante íntimo para não travar na hora H com sua ginecologista. Enfim, estavam animadíssimos com a saidinha que iriam dar.
No dia em questão surgiu um problema, o vovozinho estava com a carteira vencida e não poderia ir dirigindo.
_ Poxa paizinho, ir de táxi para o motel é tão pouco romântico. E veja só, um estranho nos levando ao motel, dois idosos, o que a de pensar? Disse a velhinha com ares de moralista, apesar da imensa vontade de ir curtir com o maridão septuagenário a banheira de hidromassagem.
_ Ô minha gatosa, eu sei, mas é que fui reprovado no exame de vista. Pudera, me botam umas letrinhas do tamanho de formigas, como se as placas de trânsito fossem feitas em Lilliput. Argumentou o velhinho, já no clima dos embalos de sábado à noite. Já sei, vou pedir pro Quincas levar a gente!
_ Pedir o nosso filho para nos levar ao motel?
_ É ele ou o táxi. E de mais a mais, você finge que ele é nosso motorista particular. Disse isso e encerrou a conversa já ligando para seu filho.
_ Alô, Quincas?
_ Sim.
_ Teu pai. Faz um favor para mim e para tua mãe? Nos leve até o motel, sua mãe cismou que não quer ir de táxi.
_ (...)
_ Quincas? Alô, Quincas? ALÔ!
_ Alô, quem é? Responde meio atordoada uma voz feminina.
_ Marluce? Teu sogro, cadê o Quincas?
_ Oi seu Atanael, o Quincas deu um acesso repentino de choro e foi correndo pro banheiro! Esta tudo bem com a dona Emengarda? Disse sinceramente preocupada a nora do seu Atanael.
_ Esta minha filha. Esse meu filho! Foi só eu pedir um favor que ele foge da raia.
_ O que o senhor pediu seu Atanael?
_ Pedi para ele levar a mim e a mãe ao motel, pois a Emengarda não quer ir de táxi! Responde já impaciente o vovozinho, sentindo o começo do efeito do viagra.
A nora achou aquilo tão bonito, um casal há tantos anos juntos, já com o peso da idade aparente, não deixar o fogo do desejo se apagar, que resolveu levá-los ao motel. Dona Emengarda sentiu-se até menos constrangida, pois se dava muito bem com a nora, e sendo uma outra mulher, compreendia certas reservas femininas.
O dia foi especial para ambos os velhinhos, único, curtiram-se como sempre fizeram por anos a fio. Já no fim, ambos deitados na cama redonda, cigarrinho aceso, dona Emengarda comenta com o marido.
_ Quer dizer que o Quincas desandou a chorar quando você disse que a gente vinha para o motel paizinho?
_ Que coisa não é Emengarda, burro velho e chorão esse nosso filho!
_ Que isso Atanael, saiba que a culpa é sua. Na época que você tinha que conversar a história das abelhinhas com o menino, você tirou o corpo fora, disse que a vida ensinava, que seu pai nunca conversou intimidades com você, e que o menino ia aprender com a vida. Estou mentindo?
_ É...
_ Viu paizinho? Deu no que deu. Traumatizou o pobrezinho.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Carta de um macho velha guarda

Ilmo ao Senhor Presidente da Associação dos Machos da Velha Guarda, Doutor Hermenegildo Soares Leitão

Meu nome é Roberval Silva, trabalho numa mesma repartição pública há 25 anos, uso calça de tergal, camisa social, suspensório, sapato vulcabrás e tenho uma capanga onde guardo meus papéis. Gosto de tomar uma cerveja com os amigos na sexta depois do serviço, falar mal da esposa (apesar de estar junto com ela há 30 anos) e olhar os brotinhos que passam na calçada. Digo isso para ficar claro que tipo de homem eu sou. Decidi rabiscar estas mal traçadas linhas porque não podia mais continuar sem esclarecer esta que para mim é uma questão vital. Explico-me.
Não consigo entender o conceito de homem metrossexual. Juro, já tentei. Não é preconceito meu, bom, pelo menos eu vejo mais com ignorância cultural, dada a minha formação antiquada, do que propriamente preconceito.
A primeira vez que ouvi esta expressão eu achei que se tratava de um adjetivo para atores de filmes pornográficos, algo como Long Dong Silver, o “metrossexual” mais avantajado do cinema! Compreendeu? Um tipo de cara que nos constrange, homens comuns, quando entra no banheiro e se posiciona no mictório ao nosso lado. Não é que você queira olhar para aquela mangueira que ele desenrola de dentro da cueca durante vários minutos, mas ela entra dentro do campo da sua visão periférica e a única coisa a fazer, decente e masculina, é fechar os olhos, continuar a urinar e rezar para aquela anaconda sair da sua mente.
Também cheguei a pensar que metrossexual pudesse ser um tipo de gay com mais de um metro e noventa, o popular viadão, uma mistura de Isabelita dos patins com Michael Jordan.
Mas foi no Fantástico, num domingo qualquer, que assisti uma reportagem falando sobre homens que se cuidam, os tais metrossexuais. Eles fazem as unhas em manicure e passam base ao invés de roê-las, cortam o cabelo num personal hair stylist e não no barbeiro (aquele mesmo coroa que cortava o cabelo dos nossos pais quando eles eram pivetes), depilam a barba ao invés de usar a boa e velha navalha, usam perfumes mais caros que um puro cubano ao invés de pomada minancora no sovaco, entre outras idiossincrasias. Confesso, fiquei surpreso! Homens de uma geração em que barreiras e preconceitos contra as mulheres estão sendo abolidos - infelizmente, decidiram que a recíproca é verdadeira e resolveram invadir o salão de beleza e folhear revistinhas da Avon em busca da última novidade em produtos de estética masculina (ao invés de folheá-las para ver as modelos de roupa íntima, algo perfeitamente natural e até aceitável em nosso círculo).
Vejam só, não sou contra ser vaidoso, mas eu acho que o que eu entendo por vaidade é diferente, ou no mínimo ultrapassado. Não vejo nada demais num homem tomar banho, fazer a barba e passar a boa e velha loção Bozzano, cortar o cabelo, escovar os dentes, aparar as unhas do pé semanalmente, usar desodorante, estar com a roupa limpa e passada, mas passou disso para mim é extravagância. Algo que faz parte do universo feminino.
Sou o que costumam chamar de macho velha guarda – meu filho disse que eu era old scholl, falei que eu não era essa porra de pederastia coisa nenhuma. Sou daqueles que seguem a máxima “quanto menos frescura melhor”. Mas como diz a propaganda “o tempo passa, o tempo voa”, o que não rola de jeito nenhum é fazer sobrancelha, porém, quem sabe, eu disse quem sabe, eu aceite o convite da minha estimada esposa para realizar uma limpeza de pele. Aí que entra minha dúvida.
Por isso venho solicitar-lhe, através dessa missiva, que dirima minhas dúvidas quanto a esta questão: caso eu realize a tal limpeza de pele (que minha senhora garantiu ser coisa de macho, dado que a dor é incomensurável) poderei continuar associado desta excelsa instituição a qual pertenço desde a fundação ou serei sumariamente expulso?
Desde já agradeço e aguardo resposta. Amplexos,

Roberval Silva (matrícula 000003)

P.S.: membro desde 1964 quando da gloriosa revolução que expurgou os comunistas do poder.

sexta-feira, agosto 14, 2009

A noitada

A boca amarga, a cabeça parecendo um sino balançado pelo corcunda de Notredame, sinais evidentes de uma noite etílica. Até aí nada de mais pensava, porém ao abrir um pouco mais seus olhos amendoados e azuis, viu deitado ao seu lado um jovem com pouco mais de vinte anos, o dorso nu coberto da cintura para baixo com um lençol finíssimo.
Minha nossa! Pensou a mulher. O que fizera? Ela, uma mulher casada, e muito bem casada, quase uma cinqüentona (apesar do corpinho bem tratado, por horas em academia e diferentes tipos de cremes hidratantes, aparentar no máximo 35 ou 40 anos), estava ali, deitada ao lado de um imberbe, apenas de calcinha e soutieu.
Não conseguia discernir em que lugar estava, o quarto na penumbra e os olhos alcoolizados não permitiam que ela determinasse o lugar do seu pouso. Procurava lembrar a noite anterior. Divisava um bar, suas amigas, rapazes musculosos e muitas, muitas margaritas... Lembrou! Foram a um Clube de Mulheres, segunda despedida de solteira de uma amiga sua que ia se casar de novo. Aproveitou uma viagem de negócios de seu marido e aceitou o convite. Pensou: que mal haveria em acompanhar velhas amigas numa brincadeira? E afinal de contas, olhar não arranca pedaço. Mas acordar ao lado de um menino, sem saber o que havia acontecido, isso era demais para ela.
Levantou-se vagarosamente, o corpo pesava como uma âncora, tateou as paredes em busca de um banheiro, um lugar que pudesse lavar o rosto e sentir-se gente novamente. Caminhava como uma felina, não desejava acordar seu parceiro, ou seja lá o que ele fosse. Encontrou o banheiro, e lá também suas roupas. Tomou um banho rápido, vestiu-se e decidiu partir. Olhou para ver se o rapaz tinha acordado. Rezava para que não, pois não suportaria a vergonha de ter que trocar algumas poucas palavras constrangedoras. Ele ressoava de forma profunda. Achou por bem deixar uma quatro notas de R$100,00 na cabeceira. Não sabia que valor deixar, mas lhe pareceu o suficiente por uma noite de prazer e culpa, mais culpa de que prazer (ao menos ela não conseguia lembrar de nada agradável).
Desceu sem olhar ao redor e nem mesmo cumprimentar o porteiro, não queria lembrar da onde estivera, nem que lhe notassem por demais a sua presença. Tomou um táxi e partiu.
Algum tempo depois o rapaz levantou-se, olhou ao redor e não viu sua acompanhante. Vislumbrou na cabeceira os R$ 400,00. Guardou-os na carteira. Em seguida pegou o telefone e discou. Poucos toques depois uma voz feminina atende:
_ Alô.
_ Mãe? Onde você esta?
_ Filho? Bem... Mamãe ta com hora no esteticista meu amor, o que você quer?
_ Bom mãe, é que ontem a noite eu fui buscar você lá no bar, depois da festa da tia Luíza, cê sabe né? A tia Luíza me ligou dizendo que a senhora estava um pouco alta e tal, e pediu que eu fosse buscá-la. Como você não quis ir pra casa eu lhe trouxe aqui pro meu flat. Agora de manhã acordei e como não vi você fiquei preocupado.
_ (...)
_ E mãe, esses R$ 400,00 que achei aqui em casa são para pagar alguma conta?

CEVDM

segunda-feira, agosto 10, 2009

Picadura não é mole não

Resolveu que todos iriam acampar naquele final de semana. Para piorar não quis nem discutir o assunto com a esposa e os trigêmeos, simplesmente chegou na sexta à noite e comunicou que pela manhã todos deveriam arrumar as bolsas de viagem para zarpar numa aventura familiar.
Na verdade, Ariclenes já havia premeditado o golpe todo semanas antes. Entrou na Internet para comprar todos os equipamentos necessários, já que nunca acampara em toda a sua vida. Deu especial atenção às barracas de camping: uma para os três filhos, modelinho básico, e uma mega barraca para ele e sua diletíssima esposa, dona Abigail; a barraca era tão moderna que vinha com frigobar, saco de dormir em forma de coração e espelho nas laterais para dar um clima. A intenção do seu Ariclenes era clara desde o início, queria ir pra mata com a caça já no porta-malas, ou melhor, no banco do carona.
Sábado de manhã todos a postos para partir, um dos gêmeos mandou a seco:
_ Pai, pra que a gente tem que ir pro meio do mato? A gente nunca acampou! Eu não gosto de mato.
_ Que isso menino, vai ser ótimo. Vamos alimentar o espírito de comunhão na nossa família, iremos apreciar a natureza, pescar juntos o nosso almoço...
_ Pai, eu não como peixe! Disse de forma incisiva o outro filho.
Seu Ariclenes não estava nem aí, o que ele queria mesmo era aproveitar a noite, os gêmeos dormindo numa outra barraca a uma distância segura, e desbravar a mata nem tão virgem assim da sua senhora. Encasquetou com a fantasia e nada iria demovê-lo de seu intento, nem os trigêmeos.
A viagem em si já se desenrolou de forma problemática. Na altura do quilometro quinhentos e lá vai fumaça da Dutra, dona Abigail precisou fazer xixi. A questão é que não havia posto, bar, ou qualquer coisa que o valha para a pobre mulher se aliviar. Resolveu então que parariam no acostamento, ele e os filhos fariam paredinha para que ela pudesse enfim saciar seus anseios fisiológicos. Tudo indo as mil maravilhas quando passa um caminhoneiro e grita:
_ Eita bundão branco!
Dona Abigail quase morreu. Para completar o gêmeo que até então não se pronunciara alertou o pai.
_ Pai, não posso entrar no carro.
_ Por que menino?
_ Mamãe fez xixi no meu pé.
Não é necessário dizer que a pobre mulher sentiu sua intimidade ultrajada e passou quase todo o resto da viagem como um bovino indo para o matadouro. Os meninos até que se soltaram um pouco mais e passaram até a cogitar gostar do passeio inventado pelo pai.
Quase três horas depois, chegaram ao camping de Tremembé do Sul, próximo a cidade de Deus nos Livre, a trezentos quilômetros de qualquer localidade que atenda pelo nome de civilização.
Ariclenes era, é claro, o mais animado da trupe. Ao chegar logo escolheu os lugares das barracas e começaram a armá-las.
_ Ariclenes, como é que isso aqui fica?
_ Peraí Abigail, que me enrosquei aqui na barraca dos meninos, quer dizer, enrosquei os meninos. Mas fica calma que tem uns buraquinhos para eles respirarem enquanto eu desvencilho os nós. Vai lendo aí no manual.
_ Acho que o manual ta escrito em coreano Ari.
Depois de quase uma hora, e tendo sobrado uma meia dúzia de varetas, as barracas estavam armadas, algo tortas, mas para orgulho de todos estavam de pé. Foram então preparar o almoço. Dona Abigail armou o fogareiro em cima do pequeno botijão e... E nada, o botijão estava sem gás.
_ Ô Abigail, você não verificou se tinha gás? Reclamava o faminto marido, sobre os olhares igualmente esfomeados dos jovens lobos da matilha.
_ Ué, eu nunca uso esse botijão, a última vez quem pegou foi sua mãe.
De forma sábia, Ariclenes se calou e evitou maiores discórdias. Comeriam os biscoitos àquela noite e na manhã seguinte ele sairia para comprar um botijão cheio. Entupiram-se de bolachas de água e sal e foram se deitar. Não sem antes a última do dia, é claro. Ariclenes dando por falta de um dos gêmeos perguntou aos outros dois:
_ Cadê o irmão de vocês?
_ Deu dor de barriga nele, disse o mais falastrão.
_ E ele achou o caminho do banheiro meninos? Completou a pergunta e logo o terceiro garoto veio caminhando por entre as árvores.
_ Encontrou o banheiro filho?
_ Ué, no mato tem banheiro? Fiz cocô ali num matinho e depois tapei com umas folhinhas. Minha sorte é que eu achei um balde com água morninha e lavei as mãos.
Segundos depois aparece um casal. Ariclenes demorou uma boa meia hora explicando aos seus vizinho de acampamento que seu filho, que nunca pernoitara no mato, não teve a intenção de defecar junto a área que eles haviam delimitado para ser o local das refeições, e que nem tampouco teve a intenção maliciosa de inutilizar a sopa de vegetais que haviam preparado para o jantar. Após muitas desculpas, e dois miojos entregues na forma de cortesia, o casal se convenceu e foi embora.
Crianças recolhidas à barraca, Ariclenes e dona Abigail retiram-se para seu leito. Ariclenes parecia um pavão, peito estufado sussurrou no ouvido da esposa suas verdadeiras intenções. Dona Abigail, com os quartos quebrados da viagem, sem almoço e ainda lembrando da descrição hostil de suas nádegas, não parecia muito disposta a embarcar na fantasia do marido. Porém este, dotado de uma boa lábia que lhe acompanha na profissão de corretor, convenceu a amasiada a entrar na sua onda. Tudo corria bem na noitada do casal quando lá pelas tantas Ariclenes sente uma agulhada nos seus baixos e solta um grito de dor.
_ Aiaiaiaiaiaia, caramba! Um bicho me picou!
_ Picou onde homem?
_ Ora mulher, pelo grito imagines onde!
_ Deixa eu ver Ari.
_ Que isso mulher?
_ Ora Ari, depois de ainda agora você ficou pudico comigo?
_ Ta certo, olha aqui.
_ Vixe Ari ficou enorme heim? Que bicho que te mordeu para ficar grande assim? Nossa, estou impressionada com o tamanho. Essa picadura não é mole não heim!
_ Ô Abigail, você ta de gozação comigo?
Tendo ouvido o trecho final do diálogo, o gêmeo caladão, que fora incumbido pelos irmãos de ver o porquê do grito do pai, retornou a sua barraca completamente ruborizado. Questionado pelos irmãos sobre o que aconteceu ele pesou bem as palavras e soltou:
_ Papai e mamãe estão providenciando um irmãozinho pra gente. Mamãe esta empolgada, mas o papai não quer nem saber da idéia.

CEVDM

domingo, agosto 02, 2009

O pai cupido

Felisberto era um rapaz bem apessoado, como dizem os mais velhos. Vindo de boa família, com estudo, recursos próprios (incluindo um belo Chevette 82 em excelente estado) e, é claro, bonitão. Bastante comunicativo, mas com senso de conveniência, não era um falastrão qualquer; respeitador das tradições, sem ser um chato, enfim, um gentleman.

Seu Ariovaldo conhecera-o na firma de dedetização Dona Baratinha onde trabalhava como técnico em misturas químicas de alta periculosidade a mais de vinte e cinco anos (já era considerado móveis e utensílios da empresa, quase da família como dizia o patrão), profissão que lhe garantiu o sustento da família (esposa e filha) e umas manchinhas na pele sem importância (segundo o assistente de enfermagem que cuidava dos funcionários). Felisberto fora contratado com boy e nunca faltara um único dia no serviço, era considerado um empregado com futuro na firma. O gerente o tinha como homem de confiança, a ponto de lhe entregar a missão de pegar o dinheiro do pagamento, de todos da empresa, no banco. Tarefa cumprida com esmero mês a mês, todo dia dez, desde que tinha sido incumbido dela.

Tal postura, atrelada as outras qualidades percebidas por seu Ariovaldo, deram-lhe a idéia de apresentar o rapaz a sua filha, Jucilene Cristina. Moça recatada, religiosa, estudiosa (passara no vestibular para serviço social de uma destacada universidade privada, onde conseguira bolsa de dez por cento na mensalidade – a primeira da família a cursar uma faculdade, um verdadeiro orgulho) e popular entre seus amigos. A sim, e isso tudo aliado ao fato de ser uma linda mocinha.

Pensava seu Ariovaldo:_ Ora veja, não é má idéia não, pelo contrário, é uma boa idéia apresentar o Felisberto a Juzinha. Os dois formam um par e tanto. Divagava o bom homem, perdido entre seus sonhos paternos. A primeira pessoa a quem contou seus planos fora sua companheira de jornada, sua amada esposa dona Paraguaçu. Mulher de fibra, dedicada ao lar, aos filhos e ao marido. Conhecera seu esposo quando ainda era normalista. Encantara-se por aquele rapazote que á época já trabalhava na firma de dedetização e demonstrava vontade de constituir família e crescer profissionalmente. Um homem “pra casar”, como diziam suas amigas de escola.

A princípio dona Paraguaçu ouviu as idéias do marido com certa reserva, algo próprio ao seu papel de mãe preocupada com o futuro da filha única.

_ Ari, você não acha que a Juzinha, agora que entrou na faculdade, deve primeiro se dedicar aos estudos e depois pensar em namoro sério?

_ Que isso mãezinha, ela bem pode juntar as duas coisas. Estudar e namorar um rapaz decente. Você bem sabe que nesses ambientes que ela vai começar a freqüentar existe uma pá de malandro querendo abusar de mocinhas assim como ela.

_ Eu sei Ari, mas é que...

_ Ô mãezinha, dá uma chance aqui pro velho Ari fazer o que é certo?

Dona Paraguaçu cedera aos apelos de seu Ariovaldo. Mas fincou pé que a filha deveria ser comunicada antes das intenções do pai. Combinaram que falariam com ela na hora do jantar.

Todos reunidos à mesa, 19:30 em ponto como sempre faziam, seu Ariovaldo inicia sua catequese.

_ Sabe mãezinha, lá na firma contrataram um rapaz de grandes qualidades. O patrão acha que em menos de dez anos ele chega a supervisor.

_ Verdade Ari? Dona Paraguaçu dava as deixas, encenando o teatrinho do esposo.

_ Verdade. E sabe do que mais, vou dizer outra, e bens sabes que não falo isso sempre, além de outras qualidades que percebi nele o rapaz também é muito bem acabado, digo, bonito.

Jucilene Cristina ouvia a conversa de soslaio, entre uma garfada e outra no delicioso macarrão com molho a bolonhesa que a mãe fizera. Nunca ouvira o pai falar de ninguém assim lá da empresa.

_ Sabe Jucilene, disse em tom solene seu Ariovaldo, eu pensei que talvez você quisesse conhecer esse rapaz?

Jucilene deixou o garfo cair e engasgou com o pimentão da carne moída. Depois de alguns minutos, recuperado o fôlego olhou para o pai de forma interrogativa, como que querendo entender a sua atitude, e largou a bomba sem piedade:

_ Pai, eu estou namorando!

Dona Paraguaçu achou melhor fingir surpresa, apesar de estar desconfiando do comportamento lânguido da filha já há alguns meses. De sua parte, seu Ariovaldo não estava apenas surpreso, estava chocado.

_ Como assim filha? Namorando? Sem nossa permissão? Quem é o rapaz? Onde você o conheceu? As perguntas atropelavam as tentativas de resposta.

_ Pai, eu tô namorando há uns meses. Esse negócio do namorado vir pedir permissão aos pais e coisa de mil oitocentos e guaraná com rolha! Não se usa mais!

Seu Ariovaldo não podia acreditar no que estava ouvindo, seus olhos ficaram marejados. Dona Paraguaçu tentava contemporizar, mas nada parecia tirar seu marido de um estado de semi-letargia que caíra após o baque que recebera. E a filha continuava o massacre.

_ O nome dele é Rosivaldo. Conheci ele lá no pré-vestibular comunitário. Ele é um gato, toca numa banda de rock e tem os cabelos compridos mais lindos do mundo.

Cabeludo, músico, seu Ariovaldo não sabia que podia piorar tanto assim. Pediu licença, levantou-se da mesa e foi para o quarto, sem dizer um único ai, digerir o sapo que engolira. Dona Paraguaçu o seguiu, com medo que o esposo tivesse um AVC. Jucilene ficou na mesa, aliviada por ter contado a verdade.

No dia seguinte, cabisbaixo e meditabundo, seu Ariovaldo foi trabalhar, como fizera nos últimos vinte e cinco anos. Se mundo caíra. Sua filha namorava um vagabundo qualquer. Chegando na firma encontrou um verdadeiro circo armado, os funcionários estavam na rua, policiais circulavam agitados de um lado para o outro, perguntas sendo feitas a torto e a direita.

_ Vixe, Nossa Senhora Desatadora de Nós, o que é que esta acontecendo aqui? Perguntou seu Ariovaldo a um colega de trabalho.

_ Ari, nem te conto. Sabe o Felisberto? O boy? Pois é, foi ao banco a mando do gerente pegar o nosso pagamento e não voltou. Meteu a mão no nosso dinheiro Ari! Moleque safado! Fazia cara de santo, mas era do pau oco!

Pronto, o mundo deixara de fazer sentido de vez para seu Ariovaldo. Como ele pode ter se enganado tanto, perguntava-se incessantemente. Ele estivera a um passo de apresentar um marginal para a filha, sua única filha, seu docinho de coco. Seu coração pesava.

À noite, seu Ariovaldo jantando com a família, virou-se para a filha, olhos firmes e determinados, segurou forte nas mãos de dona Paraguaçu, como que buscando apoio e cumplicidade, e perguntou:

_ Então filha, esse seu namorado toca rock pauleira ou progressivo?

CEVDM